quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Entrevista com Divaldo Pereira Franco - Confira os melhores trechos

Confira agora os melhores trechos da entrevista veiculada no Jornal "Panorama Espírita" com o orador espírita "Divaldo Pereira Franco", realizada durante palestra para mais de 1200 pessoas na cidade de Barretos, no dia 19 de novembro.


Panorama Espírita: Há anos o Senhor vem fazendo este belíssimo trabalho de divulgação da doutrina espírita país afora. Como o Senhor vê esse trabalho?

Divaldo Pereira Franco: A divulgação do espiritismo é essencial. Toda idéia necessita de ser apresentada ao público com os valores que constituem seus paradigmas. Desde quando eu me tornei espírita no ano de 1947, fui convocado à tarefa da divulgação dos postulados básicos desta doutrina excepcional. A partir daquela data já visitei mais de 2000 cidades em 65 países de cinco continentes. Retornar a Barretos é revitalizar o entusiasmo em mim próprio e intercambiar com os bons trabalhadores da doutrina, qual acontecia nos tempos apostólicos, à mensagem de renovação que está sempre atualizada dentro dos postulados da cultura de todo o tempo.

P.E.: Sabemos que estamos passando de um planeta de provas e expiações para um planeta de regeneração. Qual o papel do jovem neste processo?

Divaldo: Segundo a doutrina espírita nós vivemos num mundo inferior, que é a Terra. Porque aqueles que a habitam ainda são Espíritos inferiores. Mas como existe uma lei universal, tudo é progresso. Allan Kardec demonstrou que os mundos também evoluem e o mundo pode passar de um mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração. É o que vem ocorrendo. Esse mundo de regeneração será aquele ao qual o sofrimento sedará lugar a paz, a plenitude. Mas não será um golpe de surpresa, nem de uma vez, é um lento processo natural que já vem ocorrendo e cujo clímax está mais ou menos previsto para os anos após 2050. O jovem tem um papel fundamental, porquanto ele é este porvir, é o amanhã, é a esperança. É natural que ele pode contribuir tendo uma vida saudável, dedicada ao bem, tornando-se o exemplo daquilo que a doutrina nos ensina. Mais importante do que a rotulagem de qualquer doutrina é a conduta: Mais vale um individuo que não tenha religião e seja um bom cidadão do que aquele que tem uma religião formal e, no entanto, tem uma conduta irregular.

domingo, 20 de novembro de 2011

Entrevista com Divaldo Pereira Franco

Ontem tive a oportunidade de entrevistar Divaldo Pereira Franco, durante palestra proferida na cidade de Barretos, pela União das Sociedades Espíritas Intermunicipal Barretos. O evento aconteceu no Lar da Criança "Legionárias de Ismael" e contou com a participação de mais de 1.200 pessoas de várias cidades da região.

A entrevista, que será veiculada no Jornal "Panorama Espírita" - edição de novembro/ dezembro, foi muito boa, apesar de meu nervosismo inicial. Divaldo foi muito solicito e se aprofundou em algumas respostas, fruto de um conhecimento ímpar. A medida em que a entrevista ia avançando, percebia que realmente foi de muita luz a idéia e todos os esforços para trazê-lo à nossa cidade.
Divaldo Pereira Franco e eu durante a entrevista

Divaldo já palestrou em mais de 2.000 cidades em 64 países de 5 continentes e é um dos oradores espíritas mais prestigiados do mundo. 

A palestra foi magnífica. Divaldo falou principalmente sobre depressão e conseguiu prender a atenção de todos com seu conhecimento e com a narração de diversas experiências ao lado da mentora Joana de Ângelis. Todos os presentes foram coroados com sábias palavras e principalmente com a renovação das forças de fé e esperança numa conduta melhor.

Após a transcrição da gravação da entrevista, que vai demorar alguns dias ainda e vai envolver mais pessoas da equipe, assim como própria entrevista, postarei mais detalhes.

Anderson Mendes Fachina

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Eu desisti de mim hoje

Hoje tirei férias do meu EU. Hoje olhei no espelho na intenção de não me ver. Hoje eu cheguei em casa e não reconheci meu canto. Hoje eu sequer cantei. Hoje eu olhei pra dentro de mim e só encontrei desgostos. Só encontrei o amontoado de carapaças que compõem meu ser. E olha que são muitas. Muitas e muitas mais.
Hoje, o rosto retalhado que dá vida a meu corpo encontrou parada em seu viver. Hoje a parada foi a tônica, foi a vida não vivida, foi o amargo regresso daquele que nunca foi.
Hoje... Espero que este dia acabe...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Incongruências

Ontem andei por uma estrada sem caminhos
E num destes, vi uma luz que não existia
E na não existência conheci quem eu já conhecia
Na madrugada do meio-dia

Ontem eu vivi uma vida que ainda não nasceu
Mas que tinha um rosto tão lindo quanto a morte
E morrendo em seus braços caí num poço
Onde a água era densa como a sorte

Ontem eu tive a oportunidade de não ter nada
E não tendo, chorei pelo muito
As lágrimas pareciam areia numa ampulheta furada
Onde o tempo passava sem ser marcado

Ontem eu olhei essa marca a uma distância secular
E no segundo do terceiro
Percebi que o receio era tão grande
Pura falta de sorte daquele que chega em primeiro

Ontem eu percebi que era tímido
Incomunicavelmente sozinho na multidão
E nessa timidez juvenil
Senti-me um rebelde sem causa

Ontem a causa era justa
Tão ou mais que o seu julgamento
Que me leva ao fundo em um segundo
Mas que por um instante não lamento.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Cavalo de cabo de vassoura - parte 2


Era apenas um cavalo de cabo de vassoura e estava definhando. Estava definhando tão rápido que o próprio não se dera conta do tamanho do estrago. O reino pelo qual ele caminhava com tanto entusiasmo não lhe pertencia, pois ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura. Cavalos de cabo de vassoura não possuem reinos, no máximo, vivem neles, fazem parte do folclore local, mas em suma, não são donos, nem mesmo em parceria com outrem. Cavalos de cabo de vassoura sequer possuem baías ou estábulos, cochos ou selas. Não possuem nada.

E a rapidez com que as coisas lhe tomavam de assalto, a mesma rapidez que provocava a ilusão da luz cinza no fim do túnel, foi a mesma que o ajudou a definhar sem perceber. Essa rapidez o ajudou no processo do encontro e também no da despedida. Mas e agora? Por ser apenas um cavalo de cabo de vassoura o que lhe restaria? Seu mundo estava ruindo assim como seu próprio ser, sua essência. Era apenas um cavalo de cabo de vassoura.

Era apenas um cavalo de cabo de vassoura, e cavalos de cabo de vassoura não são mágicos. Não me lembro de sequer um desenho ou conto no qual um destes fazia alguma magia, fazia algum encantamento ou lançava não de alguma poção, varinha de condão ou mesmo um truque de circo. Cavalos de cabo de vassoura não são mágicos. E, se naturalmente a magia ali faltava e não lhe dava perspectivas de melhora, algo de muito ruim estaria por vir... E o tempo passou...

O tempo que para ele não existia passou. Mas como uma coisa que não existe passa? Como pensar que o senhor das horas e guardião do passado, presente e futuro, que para ele nada representava, pois era apenas um cavalo de cabo de vassoura, poderia agora lhe fazer alguma diferença? Como?

Parafraseando um gênio, os loucos, aqueles que são loucos o bastante para acharem que são capazes de mudar o mundo (e realmente são os que mudam), têm uma característica em comum: são atemporais, não se preocupam com o tempo, não se preocupam com os problemas, apenas vivem... E vivem intensamente. O passar do tempo que não existe, a loucura da irrealidade do status quo e a condição de uma existência efêmera causaram nele, o cavalo, um instante infinitamente pequeno de genialidade. Uma genialidade infinitesimal!

Certa feita, ainda no reino da Torre, quando se deitara em seus panos (cavalo de cabo de vassoura não tem baia) teve a permissão de se sentir plenamente num êxtase tão claro quanto o dia, e nesse profundo suspiro de resiliência, onde não se tem a noção exata do que é palpável e do que é etéreo, ele viu uma criança. Uma criança a qual ele conhecera naquele momento, mas de uma intimidade milenar (para cavalos de cabo de vassoura o tempo não existe). Muito antes de existir de fato, ela estava ali, de pé por entre as grades de um portão. 

Continua...

A continuação deste texto será lançada na próxima semana. Quem quiser acompanhar a primeira parte do conto acesse: http://caosfilosofico.blogspot.com/2011/04/cavalo-de-cabo-de-vassoura.html

Anderson Mendes Fachina

Tempo

“Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem poderá aprender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”


As palavras iniciais de Santo Agostinho no livro XI “O homem e o tempo”, item 14 “O que é o tempo?”, constante de sua principal obra “Confissões”, traduzem fielmente aquilo que a grande maioria de nós pensa acerca da questão do tempo, ou seja, quase nada. Quando tratamos pessoalmente a questão, dizemos que o tempo é infinito, que não pode ser medido, que tem importância para nós enquanto encarnados, etc., etc. e etc. Mas, quando a questão foge ao parâmetro pessoal e nos vemos na qualidade de expositores do tempo, enxergamos que a questão é muito mais profunda que a superficialidade que empregamos outrora. Não que essa superficialidade seja inadequada para tratar da questão, mas quando evocamos nossa capacidade de reflexão e nossas concepções filosóficas começam a atuar sob nossa mente, chegamos a uma conclusão também superficial, mas, reveladora: há muito mais a se pensar sobre o tempo do que podemos neste momento. Pronto, encerramos então a questão: O tempo não deve ser discutido de maneira mais profunda porque não dispomos de capacidades que o possam delinear como tal. Certo? Não?

Para aqueles que se dispuseram a pensar sobre o tempo, vemos que o simples encerramento da questão não é caminho louvável, já que as concepções filosóficas que carregamos conosco não nos deixam outra saída senão filosofar ainda mais, investigar ao máximo a questão, para saciarmos nossa sede. No capítulo VI da Gênese dizem os espíritos:

“Como a palavra espaço, tempo é também um termo já por si mesmo definido. Dele se faz idéia mais exata, relacionando-o com o todo infinito. O tempo é a sucessão das coisas. Está ligado à eternidade, do mesmo modo que as coisas estão ligadas ao infinito. [...] Dentro desta ordem de idéias, fácil nos será conceber que, sendo o tempo apenas a relação das coisas transitórias e dependendo unicamente das coisas que se medem, se tomássemos os séculos terrestres por unidade e os empilhássemos aos milheiros, para formar um número colossal, esse número nunca representaria mais que um ponto na eternidade... [...]... a eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista da duração; para ela, não há começo, nem fim: tudo lhe é presente. Se séculos de séculos são menos que um segundo, relativamente à eternidade, que vem a ser a duração da vida humana?!”
Num primeiro momento, numa observação bem rápida, percebemos que os espíritos procuram encerrar a questão fechado o tempo como sendo uma sucessão de coisas. Mas, se colocarmos nossos olhos sob a questão que encerra o exposto, vamos voltar a nos perguntar: o que é o tempo então, se sendo uma sucessão de coisas ele representa quase nada para a eternidade? E vemos que, na verdade, os espíritos dizem mais do que as palavras traduzem.

Para encerrar a questão, ou melhor, começá-la novamente em outros níveis, voltemos a Santo Agostinho. Diante de sua reflexão, Agostinho invertia a perspectiva acreditando que nós não vivemos dentro do tempo e sim ele habita em nossa mente. Para fundamentar sua conclusão, utilizou da lógica de que o que existe, existe, ou seja, é. Então pensou: Se o passado já passou, não o é mais, então não existe. Se o futuro ainda não chegou, não o é ainda, então também não existe. O que fica então? O presente? Também não, porque ele só existe em se comparado ao passado e futuro.

Dentro desta perspectiva, onde chegamos a constatação agostiniana de que o tempo como o concebemos não existe, nos posicionamos em tese ainda mais preocupante. Se não há presente, futuro ou passado, o momento que passamos agora é o mais importante de toda a nossa existência. E assim o sendo, deve ser encarado como tal. O que estamos fazendo com o nosso tempo então? Vivemos dentro da lógica de que tudo é tão precioso dentro de nossa evolução que não há como deixar de ser espírita por um só minuto. Façamos então que nosso tempo seja construído da melhor forma possível, sempre no caminho do bem.

Fontes: Santo Agostinho. Confissões. Nova Cultural, São Paulo: 1999, pág., 322-340 e A Gênese – Os milagres e as predições segundo o espiritismo. Capítulo VI pág. 103-107.

Anderson Mendes Fachina

Texto originalmente publicado no site Rede Amigo Espírita em 19 de janeiro de 2011: http://amigoespirita.ning.com/profiles/blogs/tempo-1

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O escolhido ou da bunda de calça plástica

Eu perdi este texto uma vez, isso já foi há uns dois meses. O escrevi, fiquei super contente com a redação, mas por um descuido no manuseio do mouse e do enter, acabei deletando-o completamente e salvando um texto por cima. Era a deixa, não era para ser publicado. Ponto.

Acontece que esta noite eu voltei a pensar nele. Sua reprodução não será fácil, mas vou tentar ser o mais verossímil possível. Tentarei.



Há uns dias atrás, depois de um exame, a fonoaudióloga que atendeu meu filho foi taxativa: “O Raphael não apresenta um reflexo, ele vai ter que passar pelo neuropediatra”. O possível problema acendeu um alerta na minha vida e de minha esposa. Fiquei muito triste, apesar de ser forte o bastante para aceitar e lutar por qualquer coisa nesta vida. Mas pensar que aquela coisa tão pequenininha, tão linda, pudesse sofrer por algo, me cortou o coração. Rezei como nunca pedindo para que qualquer coisa que o acometesse, acontecesse comigo e não com ele. Senti o peso da responsabilidade de ser pai. A palavra neuropediatra era muito forte, era muito dolorosa naquele momento.

Naqueles dias, sonhei com meu pai e com tudo o que aconteceu em nossa vida. Também havia sido muito triste perdê-lo no começo deste ano, principalmente porque eu entendi que poderia ter feito tanta coisa diferente. Infelizmente a vida não nos é perfeita como gostaríamos, mas como fazemos por merecer.

Um dia a tarde, depois de uma jornada mega estressante no serviço, com a cabeça cheia e triste pelo meu filho, cheguei em casa e o peguei nos braços, como sempre fazia. Sentei com ele na sala, tirei os meus sapatos e comecei a falar com ele. Olhava para aquela coisinha linda e dizia: “o papai está aqui meu filho, sempre estará”. Mais que instantaneamente, comecei a chorar. A tristeza era muito grande. Foi então que o inesperado aconteceu. Pela primeira vez naqueles poucos meses de vida, meu filho deu uma gargalhada. Ele já sorria há tempos, mas foi a primeira vez que seu sorriso tomou contornos sonoros. Foi uma gargalhada que me fez soluçar. E o soluço acabou com o choro, acabou com a tristeza, acabou com tudo. E eu sorri também. Sorri e entendi o recado. Meu filho, naquele momento, mostrou a pureza de coração que lhe fazia me ensinar. Ensinar que a vida é mais bem vivida com um sorriso, independente da situação.

Toda a apreensão antes da consulta com o neuropediatra foi substituída pela certeza de que a vida, assim como acredito, é o nosso quintal, nosso canto, onde vivemos (ou deveríamos viver) intensamente. Aprendemos com tudo e caminhamos no intuito de sermos pessoas melhores que outrora. Pessoas mais conscientes da vida, do amor, das relações com as pessoas próximas, das relações com o mundo e com as coisas divinas.

Aquela gargalhada foi a certeza de que se alguma coisa estivesse realmente acontecendo, seria muito mais fácil se nós nos uníssemos, na assertiva de que seríamos capazes de ser a família que sempre sonhamos. E ele estava certo. Sua gargalhada era o sinal de que tudo estava bem, tudo estava em ordem, tudo estava dentro da normalidade, mesmo que a normalidade não fosse a corriqueira. Tudo estava certo. Certo de que certo seria. Certo de que o amor seria sempre nosso esteio.

A consulta passou. Nada foi detectado. A única coisa que ficou constatada é que a vida sempre vence, apesar de tudo. Mesmo nos mais difíceis e inóspitos ambientes, ela existe, e com um único propósito: fazer-nos viver. Fazer-nos viver sempre.

Anderson Mendes Fachina

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A escolha correta


Ele estava sem muito amor próprio. Vivia sob a égide do referencial de beleza da sociedade, como não era do padrão tido como ideal, vivia uma vida vaga, sempre com vistas a sua condição corporal. “Não sou bonito, ninguém me quer, todo mundo me acha legal e ponto”, eram suas lamentações diárias. Prometeu mudar de vida, não pela saúde, mas pela estética e por todo o peso que carregava nas costas.

Nesse meio tempo conheceu alguém. Alguém que aprendeu a gostar dele pelo que ele era, não pelo seu corpo. Alguém que lhe deu amor, força, incentivo, carinho. O acompanhou durante todo o processo e reconquista da auto-estima e mostrou a ele caminhos nunca dantes percorridos. Ele enfim, havia encontrado alguém que o queria bem, que o queria de verdade. Que um dia planejou viver com ele.

E todo o processo foi doloroso, passaria por uma cirurgia relativamente nova mas que vinha apresentando bons resultados. Resultado: ele ficou de bem com seu novo corpo. Muito sacrifício foi preciso e ele batalhou com unhas e dentes. Mereceu. Agora, todos o olharam diferentemente. O espelho o refletiu diferente. Não precisava mais de essência, isso já não era mais o seu ponto primordial. Une-se isso ao fato de sua vida profissional também dar uma guinada e pronto: um novo homem nasceu.

Ou melhor, um novo homem se mostrou. A vida para ele passou a ser diferente, nova, com algumas descobertas, novas sensações, novos caminhos. E bastou um tempo de tudo novo para perceber que tudo o velho já não lhe satisfazia, como nunca havia satisfeito mesmo, exceção a presença dela. Ela, que havia lhe amado antes, antes da transformação. Ela, que conhecia sua essência.

Pouco tempo se passou até que ele proferiu a máxima: “Não estou pronto, tenho muita coisa a viver ainda, preciso passar por isso”. E o suposto amor deu espaço a outros sentimentos. E ela foi ficando de lado, ficando de lado, até que tudo terminou.

Sua essência já não faz mais diferença, o que conta é o que o espelho lhe mostra. É o que os outros lhe dizem. É o que a “sociedade” lhe taxa. Ponto. Muita água ainda vai rolar até que se saiba se ele fez a escolha correta.

Anderson Mendes Fachina

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Anjinho de chifre - Caricatura da vida real

Ela consegue alegrar qualquer ambiente aonde chega. Tem uma luz muito forte e isso a faz ser uma pessoa diferenciada dentre os tantos “zumbis” que temos por aí. Tem na sinceridade seu ponto forte e trabalha como se o mundo fosse seu quintal. Quando me encontra, sempre diz que precisa de um psicólogo, por isso adora falar comigo. Quando a encontro penso: “é a minha sessão que vai começar”.

Lembro-a ainda pequena, correndo pelas ruas nas cercanias da minha casa. Sempre brinco, dizendo que a vi correr descalça e molambenta como um molequinho, subindo e descendo das árvores. Lembro-a ainda jovem, quando a julgava esnobe, uma verdadeira “patricinha”. Tenho-a como amiga agora, pois conheci sua essência, seus problemas, seus anseios, suas conquistas e principalmente o seu coração e mais uma vez entendi que a pessoa só pode ser realmente conhecida quando temos um contato mais próximo a ela.

Ela é o que é e ponto. Fala, sem ressalvas. Mostra o que é sem medo. Vive como qualquer pessoa neste mundo, mas vive pra ela, com seus problemas e suas qualidades. Não quer ser um fac-símile, não quer ser um plágio de alguém.

Ontem conversamos. E cada vez que a vejo ela celebra minha felicidade e eu celebro a sua. Eu torço por ela, ela torce por mim. Ela comentou seus anseios, eu ponderei que ela sempre tem que escolher o caminho que lhe parece melhor. Ela pediu segredo, eu disse que isso não era necessário. Sua vitória é iminente, sei disso.

Como um anjo, ela sempre tem o que falar. E fala. Uma vez ela disse, “dê uma chance para a sua vida, você vai ver como vai ser melhor”. Em outra ela disse, “vai, aceita, não fica com medo”. Ou seja, ela sempre conseguiu quer seja incentivar quer seja “chutar o pau da barraca”. Assim é sua vida. Ela sabe o que é certo e preza isso em sua decência. Mas não é boba, não é influenciável, não é uma pessoa que pode ser passada para trás. Ela é. Simplesmente isso.

Anderson Mendes Fachina

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Cara de Pedreiro - Caricatura da vida real

Sem desmerecer qualquer tipo de profissão que seja, aliás, já fui pintor, servente de pedreiro, trabalhei em fábrica de artefatos de cimento, entre outros. A questão não é essa. A questão é que descobri que tenho cara de pedreiro. Fato!
Outro dia resolvi levar minha aliança para arrumar, uma vez que ela estava ligeiramente torta e incomodando. O veredito do atendente da joalheria foi um só. Olhando pra mim disse: "Isso é assim mesmo a aliança sempre vai entortar, vocês que têm essas profissões pesadas, não tem como não acontecer isso".
Eu não sabia se ria. Olhei para outro lado tentando disfarçar o riso quando pensei há quanto tempo não trabalhava com nada pesado, aliás, o meu único esporte radical nos últimos anos é "carregamento de chumaço" e acontece quando acaba a folha de A4 da impressora ou da fotocopiadora (a popular máquina de Xerox) e eu tenho que buscar um bloco no almoxarifado. Pensei, “de onde esse cara tirou isso”. E olhando para o lado me deparei com um enorme relógio de parede, daqueles lindos, que a gente queria ter em casa. Quando olhei com mais atenção para o relógio vi, num pequeno espelho que o ornava, uma cara muito conhecida, uma cara de pedreiro.
Não dá pra esconder, tenho cara de pedreiro. O atendente estava certo em seu comentário. Mesmo que eu não fizesse nada, a ordem natural das coisas faria minha aliança entortar. A vontade de riso virou vontade de choro. Não, não tenho cara de estivador, de chapa, de carregador ou mesmo de lenhador (essa foi boa), tenho cara de pedreiro.
Bom, fazer o que? Vamos que vamos!
Anderson Mendes Fachina

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Mais vale a busca pelo viver do que viver um não viver

Refletindo sobre uma troca de tuites com amigos, falávamos sobre a alienação da vida, as escolhas que muitas vezes nos levam a uma espécie de não vida e também sobre a dificuldade de continuar buscando por lampejos de uma vida real.

Lembrei-me de uma história, em que um psicanalista cuja analisanda era atormentada em sonho por um monstro de mil faces. Por ter esse monstro mil faces, não tinha como se concentrar em um rosto. O psicanalista pediu-lhe, por isso, que deixasse de tentar identificar o semblante do monstro e se limitasse, da próxima vez, a despistá-lo, vagando a esmo por toda paisagem que se apresentasse como caminho possível.

Seguiu à risca o conselho, andou por um bom tempo a passos firmes. Um grito ao longe a assustou. Começou a correr. Corria, corria e corria. Olhava para o lado e o monstro colado à sua sombra. Percorreu um longuíssimo caminho. De repente, exausta, sobrou-lhe somente entrar numa ruela escura e sem saída. Lá, sem mais alternativas, viu-se no fim da linha. Encurralada, prestes a desfalecer, olhou nos olhos do monstrengo e perguntou aterrorizada: "O que você vai fazer comigo?" Eis que responde atônito o monstro: "Não sei, não tenho como saber. O sonho é seu!"

Deixando esta história de lado por alguns instantes, me vem a questão se podemos de fato ou não ser donos de nossas escolhas.

Para alguns filósofos, as paixões que nos impelem para participar dos acontecimentos da vida e do mundo, são meras agitações do espírito, já que no curso dos fatos da vida - pessoal, coletiva e cósmica - estamos submetidos a férreos determinismos.

Outros pensadores acreditam que o ser humano é dotado de livre-arbítrio e que com isso, podemos responder à contento ao desenrolar dos acontecimentos da vida, tomando posição, recriando as situações e nos recriando à partir delas.

Voltando à história, que me pareceu muito oportuna para o tema, pois ilustra de alguma forma que mesmo que estejamos vivendo em sonho, e que em algumas situações nos achemos encurralados por monstros sombrios em situações que não vemos saídas, ainda assim, tal sonho ainda nos pertence.

Como apregoa o budismo e muitos outros filósofos – como Aristóteles - e até mesmo o mais popular dos cantores da década de oitenta, Renato Russo (liberdade é disciplina), a liberdade está em desapegar-se.

De qualquer forma, essa afirmação merece uma melhor reflexão.

É inegável que os planos mais importantes do nosso ser, na maioria das vezes nos são desconhecidos. Temos consciência apenas parcial de quem somos. Não sabemos exatamente por que somos ou o que somos. O que torna mais complexo ainda essa busca pelo que somos – e que possivelmente qualquer luz a esse respeito, refletiria na experiência de um viver mais autêntico – é a oferta fácil e abundante que temos à nossa volta de um consumo irrefreado e uma busca ávida pelo prazer fácil, nos afasta facilmente dessa experiência autêntica.

A teatralização das relações contemporâneas - permeada pelo individualismo que isola e pela busca de uma falsa felicidade no consumo, sem contar as muitas outras ferramentas de alienação – só nos faz aprimorar a teatralização da persona que querem que nos tornemos, com isso, nos afastando da persona autêntica que podemos nos tornar.

Estamos à mercê da crença de que a técnica e o consumo são as panacéias para uma vida feliz. Nessa busca irreal pela felicidade, nos afastamos do conhecimento sobre os desejos que nos alimentam e dos conflitos que nos devoram. Acabamos por não compreender as tramas vivenciais que se desenrolam à frente dos nossos olhos e com isso, somos facilmente abatidos por uma angústia existencial que aplaca nossa vontade de seguir em frente buscando.

Desconhecemos a importante dialética entre o pensar e o agir. Razão e sentir deveriam caminhar juntos, mas excluímos um pelo outro, abrindo mão do sentir verdadeiro, por uma razão que desemboca numa técnica desumanizante, na forma de novos e desnecessários produtos. Com isso, nos tornamos órfãos desse sentir mais profundo, afetando a construção de nossa identidade, nos transformando em meros autômatos.

Como disse meu amigo em seu tuite, chega determinados momentos que essa busca cansa, se torna exaustiva. Mas ainda fica a questão: o que estamos buscando de fato? Se estamos buscando a construção de uma nova identidade que transcende o comportamento autômato e consumista, persona que se constrói na solidão do ser, é fato, mas que ao menos em hipótese, poderia nos dar um lampejo de uma vida autêntica, ainda que somente um lampejo, já não valeria por toda exaustão?

Enfim, não tenho tais respostas. Desconfio não ter vivido ainda tal lampejo, mas como diz o provérbio: "O mais importante não é chegar, mas sim o caminho percorrido até lá."

Krisnatágoras Araújo

terça-feira, 7 de junho de 2011

Você faz parte desta caminhada

Às vezes a gente não mede o quanto pode influenciar a vida das pessoas que nos rodeiam, ou que simplesmente tem contato com aquilo que somos. Não se tem a noção do como isso se processa e muito menos como atuar neste sentido. Há duas semanas, fui convidado a participar de uma celebração religiosa muito especial. Um grande amigo, Luís Paulo Soares de Oliveira, enviou-me um convite para a sua ordenação como diácono da Igreja Católica, passo imediatamente mais próximo do título de padre. Trata-se de uma pessoa muito boa, de coração e mente e que, quando estava iniciando sua missão, conversava comigo demais sobre religião, filosofia, vida, cotidiano. Conversávamos demais porque era bom conversar com ele. Suas concepções de vida eram interessantes e nossa amizade girou em torno desta presença de espírito. Ele falava de sua escolha com brilho nos olhos. Discutíamos isso: certezas, dúvidas, caminhadas... Eu sabia que ele venceria e pude acompanhar isso de perto agora.

A vida sempre afasta as pessoas, quer seja pela distância física, quer seja pela distância temporal, quer seja pela modernidade da vida cotidiana. Ele seguiu o seu caminho e seu sonho. Nunca mais nos falamos como antigamente. O vi recentemente numa situação não muito boa. Quando estava muito triste pelo desencarne de meu pai ele compareceu para falar algumas palavras reconfortantes. Suas palavras tocaram fundo o coração de todos, sei disto.

Durante a celebração, muita emoção, muitas lágrimas... Tudo pela sensação de ver alguém seguindo o seu caminho como pensou seguir. Poucas pessoas nesta vida têm a vida que gostariam de ter. Umas pela falta de oportunidades, outras pela falta de vontade, outras por terem oportunidades demais jogadas fora.

Ao final, fiquei durante um bom tempo na fila para poder dar-lhe um abraço. Aquela espera mostrou o quanto ele é querido pelas pessoas. Ao chegar minha vez, um abraço forte, pose para uma fotografia e, quando ia saindo ele disse: “Você sabe que faz parte desta caminhada”. A frase proferida por ele me lançou longe. É claro que minha possível participação é infinitamente mínima. Mas sua frase me fez pensar muito sobre minha vida. Quantas vezes influenciei alguém e quantas vezes fui influenciado? Quantas vezes fiz alguém ficar bem e quantas vezes levei a tristeza? Quantas vezes fui um bom amigo e quantas vezes falei o que não devia, o que só atrapalhou? Pensando sobre isso me lembrei de tanta coisa boa que fiz e proporcionalmente lembrei-me também de várias vezes que machuquei alguém. Triste. Não precisava disso. Porém, hoje sei disto: a experiência nos torna pessoas melhores. Quem não aprende com a experiência, não viveu.

Recentemente tive uma experiência de como as pessoas nos fazem bem. Estava triste e convidei uma amiga para ir a um show comigo. Ela foi maravilhosa, companheira e protetora. Trata-se da amiga Cristina dos Santos Monteiro, uma de nossas colaboradoras. Compartilhamos mais sobre a vida dela e falar me ajudou a refletir mais. Como se não bastasse ela ainda escreveu um texto para este blog (http://caosfilosofico.blogspot.com/2011/05/teatro-prefiro-o-magico.html) narrando a importância de nossa amizade. Teatro? Prefiro o mágico... Me fez um bem...

“O que levei dessa noite, porém, mais que qualquer outra coisa, foi a confirmação de uma verdade cada vez mais presente em minha mente, de que os momentos de comunhão com quem se ama são a maior dádiva dessa vida confusa, atribulada, que por vezes nos traz apenas decepções, cuja superação parece impossível, quando se está ali, tão dentro desse processo complexo que é sentir...”

A partir de agora vou tentar medir mais isso. Vou tentar ser mais amigo, mais sincero, mais companheiro. O que atrapalha, não interessa. O que nos faz melhor e mais felizes é o que importa. Obrigado a todos meus amigos. No final de tudo, sou a construção de tudo aquilo que envolve a minha vida e assim sendo, sou eu, sou vocês.

Parabéns Luís Paulo, parabéns a todos aqueles que vivem seus sonhos!!! Obrigado Cristina, obrigado a todos aqueles que nos fazem sentir bem!!!

Anderson Mendes Fachina

sábado, 4 de junho de 2011

Velório irlandês...

Oscar Wilde
Os irlandeses me fascinam, apesar de eu nunca ter conhecido nenhum, pessoalmente. No entanto, a história do país, a religiosidade, o folclore, a arte, o amor ao futebol e às festas (regadas a muita bebida, claro, sobretudo a boa e velha cerveja), tornam esse o povo europeu mais próximo a nós, brasileiros, mais ainda que os portugueses que nos colonizaram.

Irlandeses misturam religião a superstição, amam a família em meio a brigas e discussões homéricas, se embebedam e ficam sentimentais, ouvindo canções de amor melancólicas... Seus intelectuais são irônicos e inflamados em seus discursos, Wilde, ah, Wilde... Seus poetas, líricos ao extremo, W.B. Yeats, tantos mais. Música, rock n’roll com alma, U2, Van Morrison... Meu Morrissey, inglês que não nega as origens, “Irish blood, english heart”.

No século XIX, a imigração irlandesa para os EUA foi maciça, motivada pela grande fome da década de 1840, a famosa escassez agrária do produto base da alimentação no país, as batatas.

A tão falada ética protestante, econômica em gestos e afetos, comedida desde o púlpito de pregação rígida até o lar de vida austera, se viu, de repente, em redutos como São Francisco, Nova York e Nova Orleans, confrontada à fé católica, fervorosa em suas demonstrações, consoante à exuberância de um povo apaixonado pela vida, flamejante como as ruivas madeixas de seus cabelos celtas.

Segundo diversos relatos, os velórios irlandeses sempre foram dignos de choque para qualquer anglo-saxão temente a Deus. Choro e reminiscências convivendo com piadas e risos, e várias garrafas passando de mão em mão, não tão discretamente como seria de esperar na ocasião. Noites a velar os mortos, que se convertiam, involuntariamente, em celebração dos vivos, e da vida... Nada taciturnos, os velórios irlandeses, segundo consta, mais ainda na cidade de Nova Orleans, berço do jazz, no qual os cortejos fúnebres contavam quase sempre com uma banda de música. Ainda hoje persiste o costume.

Essa semana, o falecimento de uma tia me fez lembrar as impressões que, quando criança, a morte me causava. Sim, amigos, embora brasileiros natos, minha família praticava à perfeição a arte do velório irlandês.

Lembro que chegava a notícia da morte de um parente, dada sem cerimônia na frente das crianças. Alguns, mais velhos e mais distantes, eu nem mesmo conhecia, mas tocava ir até onde se dava o velório, o que às vezes significava deslocamento para uma cidade próxima, ou mesmo distante. Mas fazia-se questão de largar tudo, e ir ter a essas reuniões familiares.

Eu me lembro que sempre tinha um frio na barriga estranho ao saber que morrera alguém, porque tratava-se do grande mistério, como seria, o que se sentiria, haveria algo depois? Eu em criança já não tinha fé, aquela história de ir pro Céu nunca me disse nada... Mas após o choque inicial, vinha uma excitação muito de criança, mesmo... Algo novo, quebra da rotina. Iria ver os primos e tios e tias, congraçamento familiar mesmo, apesar de saber que haveria uma tristeza como pano de fundo.

E era bem assim, chegar, ir até o caixão, dar uma olhada respeitosa, abraçar os mais próximos do morto ou morta, enfim... E depois ir ter com as pessoas que não via há algum tempo, as crianças brincando ao redor, os adultos bebendo, as mulheres fazendo comida na cozinha, enquanto o choro, discreto ou não, se dava na sala, porque velavam-se os mortos em casa, então, ao longo de toda a noite. E aí haja assunto e cachaça pra aquecer, e as crianças só dormiam muito, muito tarde, nessas ocasiões. Daí que os rituais da morte e sepultamento, para a criança que eu fui, comportavam mesmo elementos de tristeza e celebração, via adultos chorando, o que me assustava um pouco e conferia peso ao mistério, mas encontrava todos da família juntos, o que me dava um senso de pertencimento, um cerco de carinho e positividade.

Hoje, como pude ver de novo, é tudo mais rápido, impessoal, profissional, nada de velórios em casa, e ninguém perde noites a rememorar o que passou junto àquela pessoa que deixa esse mundo... Ninguém conta fatos engraçados que passou junto à tia, primo, avô ou irmão de quem se despede, sem direito a riso, que não é de bom tom... Não há tempo e nem disposição, e, por favor, vamos poupar as crianças de um momento tão deprimente.

Nada mais de morte como recordação agridoce de quem se vai, como celebração da vida de quem fica, pra fazer da dor memória, tão bonita como pode ser uma vida rica, ainda que marque ali seu fim.

Tive um pedacinho disso pilheriando com minha irmã, “olha, quando eu morrer acho bom você chorar muito, mas com umas cachaças na cabeça, pra ajudar...”. “É, que merda, aqui só tem café...”.

Bons irlandeses e brasileiros das antigas, quero sair desse mundo como vocês... Quem me respeita que carregue feliz minha memória, desde meu derradeiro momento, como aprendi em criança.

Cristina dos Santos Monteiro

terça-feira, 26 de abril de 2011

Eternal Sunshine of the Spotless Mind

Feliz é a inocente vestal!
Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças
Toda prece é ouvida, toda graça se alcança
Alexander Pope

Ele descobre que ela o apagou da memória. Num impulso de raiva e desespero ele procura o mesmo. Durante o processo, enquanto sua memória é vasculhada para o apagamento, ele se dá conta de que ainda a ama. Mas o processo mental está em curso. Ele esta desacordado com a cabeça cheia de aparelhos e fios. Sua mente trabalha no sentido de brecar o processo. Ele tenta, tem sucesso relativo. Mas o processo é irreversível. As lembranças dela estão sendo sumariamente apagadas. É o fim.

Este é o enredo de um dos filmes que está no meu Top 100: “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”. Ontem, pela indicação de uma amiga, li um texto que citava o filme e me lembrei que havia escrito sobre ele (havia o usado como pano de fundo). É realmente um filme cativante, que sabe captar a alma de um relacionamento confuso, um encontro inesperado e uma história de amor. Além do que as interpretações de Jim Carrey (saindo daquele humor piegas), Kate Winslet, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Wood e Tom Wilkinson são, sem dúvida, uma das melhores de suas vidas. Peguei este arquivo, à tarde assisti novamente ao filme e trabalhei mais uma vez o texto. Precisava escrever. Precisava pensar em algo. Precisava ocupar meu coração com algo. Espero que todos gostem:

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças

Ele corre pela areia. A vê a distância. Sua visão é a chama para a rapidez que opera neste momento. Não há falta de ar, não há suor e não há cansaço que o faça parar de correr neste momento. Run, Lola, Run. Mas corre e a imagem se afasta. Corre mais. Corre como nunca. Quando enfim se aproxima, ela desaparece. Sua imagem se foi, desintegrou-se no espaço.

Ele fica desapontado. Olha para o horizonte sem entender o que está acontecendo. A história de sua vida estava ali, mas lhe escapou por entre os dedos. Ele senta na areia e chora. Chora. E a cada lágrima uma passagem lhe vem à mente. Sua mente está conturbada, confusa. Ele não sabe mais o que pensar. Vê tudo aquilo com uma maravilhosidade ímpar, ao mesmo tempo em que tudo passa num frenesi tão incontrolável que o entorpece. Ele está entorpecido olhando para o mar, olhando para as ondas, olhando para dentro de si.

A pergunta que sempre lhe ronda a mente vem á tona: onde foi que eu errei? Onde? Ele a amava. Ela sabia disso. Ela o amava. Ele sabia disto. Num rompante de embriaguês mental ele fecha os olhos. Ao abrir, não está mais frente ao mar. Esta em casa, na sua cama. Olha para o teto, o ventilador funciona em câmera lenta. Então ele olha do lado e a vê, ali, dormindo profundamente. Tenta acordá-la. Ele não responde aos seus estímulos. Ele olha para o espelho na parede e não vê o seu reflexo. Somente ela, ali, dormindo profundamente. Levanta-se nervosamente. Está sem seu pijama favorito. Ele olha novamente e vê que não está mais em casa. Não está no quarto dela. Tudo é estranho, tudo é novo e assustador. Entra em pânico. Grita em direção aquele corpo imóvel. O corpo se mexe, sem sucesso. Nada é mais como era antes.


Numa fração de segundos, lembra do início deste processo doloroso. Ela queria esquecê-lo, tirá-lo de vez da sua vida. Por qual motivo mesmo? Para ele aquilo ainda não estava claro. Muita água havia passado por debaixo da ponte sem que ele percebesse. Sua mente agora lhe fala: “É isso, se ela não te quer, não há motivos para querê-la”. Houve-se um estalo ensurdecedor. Mais uma vez ele olha para o espelho. Agora se enxerga. Está ali, feio, forte e formal. Sua face está irreconhecível, mas é ele. Seu coração está machucado, mas é ele. Suas roupas já não são as mesmas, mas é ele. Sua alma foi corrompida, mas é ele. Havia feito coisas que não queria, mas, sem dúvida era ele. Ele sorri, nervosamente. Ele sorri amarelo.

Ela enfim parece acordar. Ele se assusta. Estava tomado por si mesmo. Lembra também o porquê daquilo tudo: A amava. Ela abre sorrateiramente os olhos. Ele, também sorrateiramente sai de seu campo de visão e a olha a distância. Ainda meio sonolenta ela diz: “amor, você está aí?”. Ele não responde. Ele emudece. Ela se vira do lado e parece voltar a dormir. Ele se desespera: “o que estou fazendo?”. Mais uma vez se aproxima. A toca e neste momento, mais uma vez ela some. Ele olha ao redor. Está sentado em sua sala vendo TV. Está sentado. Teve sua oportunidade e não aproveitou. Não aproveitou.

Anderson Mendes Fachina

domingo, 24 de abril de 2011

Cinco minutos depois de...

Primeiramente gostaria de deixar minhas sinceras desculpas. Justificativa: Se eu não fizesse isso, não seria eu. Faço não por que quero que penses alguma coisa. Faço sem intenção de despertar alguma coisa ou mesmo fazer uma surpresa. Faço porque sigo um velho conselho de minha mãe, que me foi dado quando ela foi chamada a comparecer à escola pela primeira vez, eu tinha 7 anos. Lembra daquelas balas que vinham grudadinhas, numa tira? Só quem tem mais de 30 sabe do que estou falando. Ah, então. No meio da aula eu subi na carteira e rodei uma daquelas tirinhas no ar dizendo: “quem quer bala?”. Claro que a professora me pôs de castigo e mandou chamar a minha mãe. Na sala da diretoria, aquele dia, minha mãe disse uma coisa que marcou a minha vida. Ela não estava brava com a minha atitude, somente disse que não poderia fazer isso na aula. E, ao pé do ouvido me disse, contrariando a recomendação que acabara de dar: “Filho, sempre faça o que o seu coração mandar”. E não poderia ser diferente.

Meu coração pediu para que eu fizesse isso e, sem muitas perguntas resolvi atendê-lo. Nestes dias tenho o contrariado tanto... Ainda não me arrependi, mas isso é iminente, assim como dois e dois são quatro.

Nunca sua frase “nossa história só tem coisa bonita” fez tanto sentido assim. Nestes dias eu me esforcei em olhar de fora. Assim sendo, comecei a entender tanta coisa. Era como se tivesse feito o download de toda nossa história em segundos. Entendi minha “missão” e visualizei a sua. Tudo tão claro, tão limpo, tão palpável. O que tiver que ser, será... Agora entendo e sigo em frente. Sem renunciar a nada, sem esperar por nada, apenas sigo olhando pra mim.

Lembro de todas as frases pra mim dirigidas. Lembro de todas as frases por mim dirigidas. Lembro-me de todas as passagens, todos os momentos, todos os suspiros, todos os carinhos, todos os beijos, todos os olhares, todos os pqps, lembro-me de tudo, mas de tudo mesmo. Aliás, como digo, não há como lembrar aquilo que ainda não esqueci, que não me saiu da mente. É tudo tão vivo. Tudo tão colorido. Só coisa boa, tens razão.

Tudo o que te disse até hoje é verdade. Tudo mesmo. Não retiro nada, nem um hominho. Aliás, eu agora os cultivo como ouro em essência. E como não poderia deixar de ser diferente, como num passe de mágica, em tantos lugares para eu parar neste reino tão vasto, escolhi justamente a sombra pela qual a Torre se deslocava. Além da coincidência do local, há também a do horário, do momento em que resolvi enviar meu sinal, do momento em que resolvi olhar para baixo. São tantas. Enquanto mandava meu sinal de fumaça e enquanto este era recebido, vi, alí, a menos de 20 metros, toda a beleza inundando a rua. Coisa do destino? Sei lá.

Enquanto me deslocava vinha pensando sobre tudo. Tudo passa como num filme pela minha mente. Adoro filmes. E melhor ainda quando se tem a sensação de que estou dentro dele, que faço parte de uma série de acontecimentos que, ao final, faziam parte de uma trama muito, mas muito fantástica. Tudo muito ritmado, tudo muito entrelaçado, tudo muito bem costurado. Não a lá Tarantino, não a lá Scorcese... Apenas uma história de vida, uma história que muito bem poderia não ter acontecido, mas que se fez presente e encheu aqueles que dela participaram de orgulho. Orgulho de compartilhar uma época e uma existência. Orgulho de ter feito aquilo que quis, quando quis, como quis e ainda maravilhosamente bem. Essa é minha sensação. Sensação de ter feito tudo o que eu podia ter feito. Claro que não fiz, mas fico sempre na expectativa de ter feito o melhor, o que estava e o que não estava ao meu alcance.

Hoje a história não é contada na terceira pessoa "ele". Hoje a história é narrada em primeira pessoa. Primeira por que o narrador desceu (ou subiu) ao palco. Entrou em cena, mostrou sua cara, abriu seu coração. Agora a platéia sabe quem é ele. Sabe quem agora ocupa o lugar de destaque (ou não) no filme. Uma emoção com rosto, um sentimento com sorriso verdadeiro, uma voz com presença ativa.

A história segue, como deve seguir, como deve ser, como deve acontecer. "Seu investimento sem maiores pretensões foi a sua maior conquista". "Pensa num cara que te deseja". "Pensa num Snoopy feliz". "Deus abençoe as...". "Agora sim eu vi vantagem". "Essa é a hora em que eu me dou bem". "Ah, você aqui na sorveteria, quanta coincidência”. “Feche a janela”. “Chega aqui, deixa eu te mostrar uma coisa na geladeira”. “O que faz metade de mim neste momento”. “Cavalo de Cabo de Vassoura, sua Torre está em perigo”. “Sabe quando rimos por algo deliciosamente levado que pensamos ou dizemos?”. “Por mais que eu pense, não consigo achar coisa melhor pra ter me acontecido que você”. São tantas, mas tantas as frases e passagens que compõem esse roteiro. Como dizia a música: “Tanto clichê, deve não ser”. Clichê que nada, tudo foi o que deveria ter sido. Tudo foi o que foi. Sou o que sou, lembra?

Como disse, essa história ainda não acabou. Não que ela continue da mesma forma, não que ele continue de outra forma, não que ela continue. Já nem sei mais o que estou dizendo. Já nem sei mais o que... Como diria meu mentor intelectual Sócrates, “Só sei que nada sei”. Só sei que foi assim!

Anderson Mendes Fachina

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Cavalo de cabo de vassoura

Não, não era o Cavalo de Fogo. Não, não era o cavalo Branco do Napoleão. Não, não era o Cavalo de Tróia. Não, não era um Cavalo de Raça. Muito menos o mitológico Pégasos. Sequer era o burrinho do Shrek ou mesmo a Uni da Caverna do Dragão. Era apenas um cavalo de cabo de vassoura. Apenas isso, um cavalo de cabo de vassoura.

Ele foi criado pela imaginação latente dele, que banhada numa magia impar, lhe deu vida (vida?). Foi seu melhor meio de transporte, porque tinha como principal frase: “Não há distância que eu não possa enfrentar. Não preciso de água, preciso de você”. Esse combustível deu muito mais do que sentido para sua existência. Deu muito mais do que razão para que ele iniciasse a sua caminhada. Mas ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura e como tal, não poderia ter se animado tanto.

As condições sob as quais vivia, naquele reino maravilhoso, onde não havia mirante, castelo, palácio, ou qualquer coisa que superasse a beleza da torre pela qual se encantou, eram as melhores para sua atuação. Aquela, não era apenas a torre mais bonita do reino. Era a torre mais bonita de todo o universo, seja ele conhecido ou não. Seja ele palpável ou existente apenas na mente de alguns. Era a torre da qual ele havia desenhado em seus sonhos, ainda mesmo quando ocupava lugar em uma vassoura e sua cabeça era apenas uma cartolina esticada em algum armário. Era a torre. E ele? Ah, ele sabia disto.

Mas ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura.

O início, o meio ou o fim de tudo, depende de onde se olha, aconteceu naquele dia 27 de fevereiro. Ele estava com os pêlos em riste. Estava sendo desafiado, estava sendo ousado a quebrar protocolos, a sua existência estava sendo colocada à prova. Diga-se de passagem, por ele mesmo. Era ele quem havia se cobrado daquilo. Era ele que havia sentido a necessidade de vê-la. Havia sentido uma necessidade tão forte de tocar a sua torre, de surpreendê-la, de amá-la, de ver seus olhos e seu sorriso. E, num rompante de loucura (amor, desejo, vida, paixão, felicidade, magia, encantamento, burrice, por que não?) enfrentou o tempo. Essa era a única coisa que tinha direito de fazer. Como era apenas um cavalo de cabo de vassoura, sua existência efêmera poderia desafiar o tempo. Esse, só existe de fato para aqueles que possuem relógio e que têm hora para fazer as coisas. Ele, não. Um cavalo de cabo de vassoura não se preocupa com o horário. Não se preocupa com as idas e vindas. Aí ele cometeu um erro (erro?). Ele não estava em seus domínios. Não tinha seus materiais à mão. Tinha apenas uma peça de roupa e esta, tinha um lindo desenho. O desenho de um cavalo mágico. O desenho de um cavalo que ajudou um santo a derrotar um dragão. E ele se sentiu.

No caminho pareceu voar. Pensou em suas asas. Mas ele não era alado, era apenas um cavalo de cabo de vassoura. Parecia voar porque era leve e o vento causava essa ilusão. Seus pêlos estavam em riste, mas era apenas a cartolina ao vento. Parecia correr muito, mas era apenas a ausência do tempo, só isso. E ele se sentiu mágico. Sentiu-se um cavalo. Mas ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura.

E quanto mais ele andava pelo reino, mas o cabo da vassoura esfregava no chão. E ele não percebeu que nessas andanças, pedaços dele iam ficando pela estrada. Pedaços dele iam ficando nas irregularidades do caminho. Ele estava definhando, mas não havia percebido isso. E até mesmo a chuva da qual ele gostava tanto era sua inimiga, pois ajudava a cartolina a se desintegrar também. E ele não via isso. Não por menos, seus olhos eram pintados com canetinha. Não veria, nem que quisesse ver.

Quando seu coração falou mais alto que a razão, não percebeu que o único lugar onde um cavalo e uma torre podem se encontrar, além dos longínquos reinos medievais, é num tabuleiro de xadrez. Mas ele não era uma peça de um xadrez. Ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura. Apenas um cavalo de cabo de vassoura e estava definhando.

Anderson Mendes Fachina

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Mea culpa, das concepções de Schopenhauer ou da filosofia barata

Parte 1 - Cego e irracional?

... por mais maciço e imenso que seja este mundo, sua existência depende, em qualquer momento, apenas de um fio único e delgadíssimo: a consciência em que aparece. [...] O mundo como representação, isto é, unicamente do ponto de vista de que o consideramos aqui, tem duas metades essenciais, necessárias e inseparáveis. Uma é o objeto; suas formas são o espaço e o tempo, donde a pluralidade. A outra metade é o sujeito; não se encontra colocada no tempo e no espaço, porque existe inteira e indivisa em todo ser que percebe: daí resulta que um só desses seres junto ao objeto completa o mundo como representação, tão perfeitamente quanto todos os milhões de seres semelhantes que existem: mas, também, se esse ser desaparece, o mundo como representação não mais existe”. Shopenhauer – O mundo como vontade e representação
Apesar de tomar emprestadas as concepções antes formuladas por Immanuel Kant (1724-1804), Arthur Schopenhauer (1788-1860), o filósofo mais pessimista da história, acabou por construir um pensamento original quando apresentou sua teoria sobre a vontade do ser humano. Para Schopenhauer, a vontade é fundamento, mas sem ela própria apresentar fundamento. Em outras palavras, a vontade não se submete ao princípio da razão que rege nosso universo de representação.

Sem parecer demais complicado, visto que, desde o início vou deixando minha “mea culpa”, muito pela falta de aprofundamento filosófico, muito pela associação com minhas próprias concepções de vida, muito pela inexorável ação do tempo, que vai nos deixando cada vez mais insanos, seja pela morte natural de nossos neurônios, seja pela morte (natural???) de nossos sonhos, seja pela constatação de que a vida é o princípio do fim, gostaria de deixar claro que o intuito desta série não é propagar o princípio do “estamos no fundo do poço” e sim discutir o porquê chegamos a essa condição (se você constatar que em nenhum sentido está no fundo do poço, de verdade, não precisa ler o resto... é perda de tempo). Tudo isso, é claro, calcado na valorização imensa do humor, na valorização imensa da ironia (que nos toma de assalto todos os dias de nossa vida), na valorização imensa da livre manifestação (dois de meus melhores amigos já se dispuseram a debater o tema). Vou tentar também ser o mais sucinto possível, evitando posts longos e chatos (há como não ser chato?), sem se descuidar do fechamento da idéia ora iniciada. Mas se não concluir nada, também sei que o princípio filosófico foi mais uma vez usado de maneira produtiva, pois somos o que pensamos. Certo? Eu penso...

Concluindo este abre-alas:

Para Schopenhauer, a vontade é um princípio fundamental da natureza, independente de como ela aconteça. Assim, mesmo quando uma pedra rola morro abaixo, a objetivação desta ação tem sua natureza no corpo. Assim sendo, qualquer tendência por ai advinda não passa de um disfarce sob o qual se oculta uma vontade única, que não se submete as leis da razão única e exclusivamente por não depender desta.

Acontece então que quando o ser humano apresenta sua vontade, ou seja, faz uso daquilo que lhe é de mais imediato, indistintamente, não atua de maneira racional, mesmo que inconscientemente. Aliás, o inconsciente é um prato cheio a concepção de Schopenhauer. Para ele, “A consciência é a mera superfície de nossa mente, da qual, como da terra, não conhecemos o interior, mas apenas a crosta”. Assim sendo, nossa consciência é limitada e, por isso mesmo, fica sempre refém do inconsciente, muito maior e de grande atuação em nossas ações.

Por que falar de vontade?

Todas nas nossas relações estão baseadas na vontade de algo. Todas, indiscriminadamente. Mesmo que, como diria Schopenhauer, isso seja inconsciente, ou mesmo escondido marotamente por conveniências temporais da convenção vigente. Aliás, convenção vigente é outro de nossos temas futuros.

Por enquanto ficamos por aqui, sempre refletindo acerca da vontade (a vontade é cega e irracional?). Com o decorrer dos posts, espero que o assunto flua melhor e que apresente boas discussões com vistas a nossa vida e aos nossos relacionamentos.

Anderson Mendes Fachina

Music when the lights go out

O título desse post eu tomei emprestado de uma canção da boa banda indie The Libertines, mas pretendo falar aqui do show do U2, que assisti no sábado, dia 9.

Em primeiro lugar, adoro a banda, e considerei a apresentação maravilhosa, deslumbrante, mesmo. Ninguém em sã consciência discordaria. O palco impressiona desde o primeiro momento, estrutura totalmente diferente do usual, que permite uma visualização muito boa dos músicos durante todo o show, telão inovador, uma atração à parte, e os efeitos e luzes são incríveis.

Porém , tudo isso me fez refletir sobre os caminhos que levam uma banda de rock a se tornar uma “mega banda”, e as contradições que isso encerra, sobretudo em se tratando da trupe de Bono Vox. Em que momento a música já não basta para os fãs, e cada turnê tem a obrigação de ampliar e inovar na pirotecnia, para dar conta das expectativas?

Talvez o discurso de “salvador da humanidade” professado por Bono fizesse mais sentido se o U2 poupasse os milhares de watts gastos por seu mega palco, a cada apresentação, e, na tradição mais crua de toda a música de protesto que já se mostrou relevante, de Woody Guthrie a Bob Dylan (e mesmo Patti Smith, politizada ao extremo e desconhecida de muitos), protagonizasse apresentações mais intimistas, dando seu recado através de sua música, e de uma atitude mais coerente.

Pode-se ter uma postura crítica, engajada politicamente, sem sacrificar o lado artístico (arte não tem a obrigação de ser engajada, como querem muitos), e o próprio U2 consegue isso, suas canções ao menos não resvalam para uma demagogia rasteira, como acontece com muitos artistas. Já a postura do Bono há tempos ultrapassou esse limite... o cara se acha alguma espécie de estadista, parece, mas sem se descuidar dos holofotes, claro.

A mim bastaria um show acústico, sem lotar estádio, sem discursinho pseudo-humanitário. Apenas as boas canções do U2 que conheço e aprecio desde a minha adolescência. Mas parece que é um caminho sem volta... então, o que vale mais? Se se apagarem as luzes cegantes, permanecerá a força da música?

No momento em que escrevo, ouço o álbum Let England Shake, da PJ Harvey, que já considero um dos melhores do ano (se não o melhor). Conteúdo político inquestionável, com a mais alta qualidade artística, e sem grandes alardes. A quem se interessar, a faixa The Glorious Land é uma das mais contundentes canções antiguerra já feitas.

Enfim, valeu muito ter ido ao Morumbi, muita diversão, boa música, mas o U2 deveria se vender pelo que é, e pelo que oferece: entretenimento, em troca de dinheiro. Tá no mercado, é pra se vender. E aos despossuídos, as sempre sinceras palavras do Bono.

Em tempo...

Momento Mega: a entrada da banda, ao som de David Bowie.

Momento Brega: a escolher, a menina que Bono chamou para declamar a letra de Carinhoso? Ou a apressada menção às crianças assassinadas no Rio? Falando em demagogia...

Cristina dos Santos Monteiro

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Reflexos da inocência ou do tudo é permitido, mas nada obrigatório

Ele estava derrotado. Não sabia por que, mas, estava derrotado. Até o presente momento ele ainda não havia se deixado levar por tudo aquilo que a ela era endereçado. Dias atrás, quando leu uma mensagem, viu, mesmo que a contragosto, a sincronicidade trabalhar ao contrário. Não sabia por que, mas viu alguma coisa onde não tinha. Não podia ter. Nunca poderia ter. E ele sabia disto, mas, sabe se lá porque, pensou que pudesse haver. Naquele momento ele estava sendo afetado, apesar de ainda não saber. Alguém, em algum lugar, inconscientemente ou não, marcou mais um ponto em sua tabela.

Eles adentraram. Hoje não eram apenas os dois. Uma pessoa fazia parte do grupo. Pessoa esta que durante o dia o havia acompanhado e que, de certa maneira, se mostrou ser tudo aquilo que ele já pensava. Conversaram bastante, riram, falaram sério e, ao final, ele teve a impressão que sempre teve. Esta pessoa era também uma pessoa diferenciada, do bem. Antes, ainda no ponto de partida, essa pessoa havia dito: “Senhor, livrai-nos de todos os males”. Ele pensou mentalmente: “Corpo fechado”... Ledo engano.

Eles adentraram. Um misto de expectativa, ânimo, curiosidade, medo, receio... Tudo misturado de maneira muito, mas muito conexa. O que era para ser um inferno, não o foi. Sequer passou perto. Nada que pudesse lhe assombrar. Ele parou por vários minutos e olhou ao alto, concentrado. Seus sentidos não estavam muito delineados, mas, tinha a certeza de que a palavra que repetiu várias vezes também não era assim tão presente. Não havia ali nada surreal. Surreal, a palavra, não se encaixava naquilo. E foi justamente ai que errou. Foi justamente ai que a derrota começou a tombá-lo como nunca havia.

A experiência, nova, diga-se de passagem, foi muito boa. Sincronicidade, companheirismo, desejo, tudo aquilo que o fazia feliz ao lado dela. O dia dela, não havia sido muito bom. Ela havia se queixado de que suas expectativas não haviam se concretizado. As pessoas não entendiam seu desejo e isso a estava tirando as forças. E ele não estava forte o bastante para ajudá-la, como até então havia feito. Não estava. Mas não sabia disto.

Gostou do lugar. Gostou de tudo o que aconteceu. Mas em vários momentos viu o restante de suas forças irem embora. Cadê a porra da força que estava ali? Voltaria lá sem problemas. Voltaria mesmo, assim como as várias novas coisas que tem feito com ela.

No caminho de volta, durante alguns segundos sentiu o calafrio. Não era o frio da noite. Não era o vento da madrugada que lhe beijava o corpo. Ainda não sabia o que era. Quando chegaram ao local que era para ser deles, uma frase lhe tirou a última fagulha de força que faltava. “Posso acessar?”. Claro foi a resposta óbvia. Enquanto as águas quentes o lavavam a alma, ou pelo menos tentavam, ele sentiu o segundo calafrio. Ela ainda não sabia, mas ele começou a visualizar a cena. Tomou o banho mais rápido que de costume. Saiu ansioso. A face dela já denunciava a derrota estampada. Ele já a viu assim várias, várias vezes. Sentou-se ao seu lado e teve a certeza de que o rombo era grande. Ponderou mais uma vez acerca de que em algum lugar alguém agora estava, possivelmente, sorrindo, mesmo que inconscientemente. Ela então disse: “Escuta bem o que eu vou te dizer. É a última vez que leio isto. Por favor, por favor, me ajude neste sentido”.

Ele não aceitou de pronto, sabia que isso era algo dela, de sua história, seu rito de passagem (rito de passagem, lembrou... é isso... jurou delinear isso melhor em outra oportunidade). Mas, não se sabe por que, tentou a empreitada. Uma tarefa que até um juvenil faria com os pés nas costas começou a ficar difícil primeiro pelo clique no lugar errado, segundo pela infeliz coincidência. Quando já se preparava para retornar e anular a tentativa, inclusive sinalizando sonoramente sem resposta, por uma fração de segundo leu algumas frases que o tiraram tudo, mas tudo mesmo que restava. Ele tremeu. Seu corpo todo tremeu. Tremeu como não acontecia desde o fatídico seis de novembro de alguns anos atrás, quando seu cavalo de cabo de vassoura derrapou, tombou, girou, rodopiou e se foi rumo à morte. Morte essa que não veio. Corpo fechado, lembra? Não, hoje não. Ele estava aberto. Perdeu seu brilho no fundo do mar.

Quando ela saiu do banho. Talvez renovada. Ou esperançosa de que ele poderia lhe dar tudo aquilo que o dia não lhe deu, ela o viu transfigurado. Por um momento ele tentou retornar ao normal. Tentou puxar do fundo de sua alma alguma força para prosseguir ali, sendo tudo aquilo que ele quisesse que ele fosse. Eu quero ser pra você, lembra? Não conseguiu e ela notou. Ao notar, mais uma vez tombou. Mais uma vez ela ficou mal naquele dia.

Depois de certo nervosismo relativo, tudo foi colocado às claras. Às claras, não as boas. Não dava. Imediatamente ele pensou na anestesia dela. Ele NUNCA queria que isso acontecesse, não com eles. Naquele momento, quando a sentiu em seu corpo, num misto de tristeza, cuidado, sei lá, ele teve a noção exata de tudo o que havia se passado. Teve a noção exata de tudo. Para ele, tudo estava claro. O mesmo universo que sempre conspirou em favor de ambos, agora estava suspenso, preso dentro da falta de força dos dois. Lembrou de uma frase dela: “Hoje minha logística falhou”. Lembrou também da resposta que havia dado: “Não tem problema. O problema só acontecerá quando a minha logística falhar”. A logística, óbvio, não havia falhado. O que ficou em algum lugar foi seu sorriso. Aquele que é instantaneamente disparado pela face dela. Ele, que tanto insistiu em alguns momentos que ela não estava lá, pareceu se esquecer de que ELE (Sou o que sou, lembra?) era quem talvez não estivesse.

Enquanto refletia acordado sobre todo o acontecido, lembrou-se de um de seus amuletos de dissipação do nervosismo e apreensão. Lembrou do som que era o tema agora de sua nova existência. Lembrou. Correu. Correu e o colocou em seus ouvidos. Escutou dezenas de vezes enquanto escrevia e pensava. Sua paz foi voltando. Suas orações também já faziam sentido.

Assim, começou a olhar pra ela ali. Não sabe se num sono profundo ou leve. Não sabe se num sono bom ou ruim. Não sabe. Mas pensou e evocou toda a força contida na certeza de gostar dela DEMAIS. Evocou todos os sentimentos bons que nutriam aquela relação. Evocou o seu sorriso, e sorriu. Evocou seu canto e cantou. Evocou sua luz e viu um brilho ainda tênue mas constante lhe encher os olhos. Evocou todos os sentimentos que nutre por ela. Nessa evocação apenas um pedido simples assim, complexo assim: “Amanhã é um novo dia, não é?” Espero que eu possa ver seu sorriso renovado. Rito de passagem... Rito de passagem... Orou, olhou mais uma vez para sua face, viu a beleza que sempre vê quando a olha. Sentiu algo lhe invadindo. Olhou pela janela e teve a maior certeza de sua vida: “A madrugada acaba quando a lua se põe”. Tomara que isso se transforme em tudo aquilo que eles haviam planejado. O plano está traçado, lembra? Por favor, não se esqueça disto.

Anderson Mendes Fachina