sábado, 19 de fevereiro de 2011

Mattie Ross, Ree Dolly e o “Girl Power”


“Bravura Indômita” é a releitura do romance homônimo de Charles Portis, que já havia sido adaptado para o cinema em 1969, com John Wayne no papel que coube a Jeff Bridges na versão atual,dos irmãos Coen. Não assisti ao original, mas me apaixonei, no filme de 2010, pela atuação de Hailee Steinfeld na pele de Mattie Ross, a garota de 14 anos que contrata um pistoleiro e segue com ele e um ranger na perseguição ao assassino de seu pai.

Esse é um filme não exatamente sobre vingança, mas sobre comprometimento, obstinação, retidão de caráter, destemor e senso implacável de justiça, características comuns aos três personagens centrais, mas que se sobressaem na menina Mattie. É emblemática a cena em que ela atravessa o rio com seu cavalo, indo ter com os dois homens que pretendiam deixá-la para trás ao iniciar a caçada ao criminoso. Seu semblante expressa uma intransigência que não traduz capricho ou teimosia, mas apego ao cumprimento de um dever que ela considera seu. Mattie abdica de sua infância e da prerrogativa de fragilidade feminina para amparar sua família ,agindo rigorosamente dentro do registro ético da época

Essa personagem ganha os contornos precisos na atuação da novata Hailee, que passa segurança sem abdicar de uma inocência que não tem nada a ver com ingenuidade.Resta entender sua indicação ao prêmio de atriz coadjuvante, sendo ela a protagonista da história.

Em “Winter’s Bone”, a também jovem atriz Jenniffer Lawrence encarna a estóica Ree Dolly, que aos 17 anos e responsável pela mãe mentalmente incapaz e por dois irmãos menores, se vê na iminência de perder a casa da família caso não encontre o pai, produtor de anfetaminas, que desaparece.Sua jornada pela inóspita e empobrecida região montanhosa do Missouri é o retrato da desesperança de sua vida. Ree sabe que não há saída possível para sua situação, até seu plano de servir o exército é imediatamente desfeito pelas circunstâncias. Ela é movida por um senso de dever pragmático, sendo nada mais que um produto de seu meio, ou seja, uma sobrevivente.E, como tal, deve apegar-se ao pouco que possui, e conformar-se às responsabilidades que não pediu para ter.

E é com serenidade e tenacidade que enfrenta tudo isso, sentimentos que o semblante de Lawrence transmite à perfeição, em uma atuação densa, contida e sem afetações, merecedora da indicação para melhor atriz.

É excelente constatar a boa safra de papéis femininos relevantes que figura no Oscar desse ano, que se ampara em atrizes de talento evidente, como as estreantes Hailee e Jenniffer, e as já veteranas Natalie Portman e Annette Benning (Minhas Mães e meu Pai), entre outras indicadas de peso, como Helena Bonham-Carter (O Discurso do Rei).

Sobretudo, diante da prevalência de ideais de feminilidade confusos, que conjugam a superexposição do corpo em todas as mídias a um falso empoderamento da mulher, que desvirtua o debate, é bom ver essa saudável expressão do verdadeiro “Girl Power”, hoje equivocadamente entendido como o direito (e quase obrigação) de as mulheres serem tão sexualmente irresponsáveis quanto a maioria dos homens se dá o direito de ser.

Em “Bravura Indômita” e “Winter’s Bone”, vemos mulheres que, apesar de muito jovens, cultivam valores sólidos e possuem muita atitude (assim como as atrizes que as interpretam), recusando as saídas fáceis que uma suposta fragilidade feminina endossaria. È melhor que as meninas aprendam : futilidade não é obrigação, e força de caráter não é prerrogativa masculina.

Cristina dos Santos Monteiro

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