terça-feira, 26 de abril de 2011

Eternal Sunshine of the Spotless Mind

Feliz é a inocente vestal!
Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças
Toda prece é ouvida, toda graça se alcança
Alexander Pope

Ele descobre que ela o apagou da memória. Num impulso de raiva e desespero ele procura o mesmo. Durante o processo, enquanto sua memória é vasculhada para o apagamento, ele se dá conta de que ainda a ama. Mas o processo mental está em curso. Ele esta desacordado com a cabeça cheia de aparelhos e fios. Sua mente trabalha no sentido de brecar o processo. Ele tenta, tem sucesso relativo. Mas o processo é irreversível. As lembranças dela estão sendo sumariamente apagadas. É o fim.

Este é o enredo de um dos filmes que está no meu Top 100: “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”. Ontem, pela indicação de uma amiga, li um texto que citava o filme e me lembrei que havia escrito sobre ele (havia o usado como pano de fundo). É realmente um filme cativante, que sabe captar a alma de um relacionamento confuso, um encontro inesperado e uma história de amor. Além do que as interpretações de Jim Carrey (saindo daquele humor piegas), Kate Winslet, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Wood e Tom Wilkinson são, sem dúvida, uma das melhores de suas vidas. Peguei este arquivo, à tarde assisti novamente ao filme e trabalhei mais uma vez o texto. Precisava escrever. Precisava pensar em algo. Precisava ocupar meu coração com algo. Espero que todos gostem:

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças

Ele corre pela areia. A vê a distância. Sua visão é a chama para a rapidez que opera neste momento. Não há falta de ar, não há suor e não há cansaço que o faça parar de correr neste momento. Run, Lola, Run. Mas corre e a imagem se afasta. Corre mais. Corre como nunca. Quando enfim se aproxima, ela desaparece. Sua imagem se foi, desintegrou-se no espaço.

Ele fica desapontado. Olha para o horizonte sem entender o que está acontecendo. A história de sua vida estava ali, mas lhe escapou por entre os dedos. Ele senta na areia e chora. Chora. E a cada lágrima uma passagem lhe vem à mente. Sua mente está conturbada, confusa. Ele não sabe mais o que pensar. Vê tudo aquilo com uma maravilhosidade ímpar, ao mesmo tempo em que tudo passa num frenesi tão incontrolável que o entorpece. Ele está entorpecido olhando para o mar, olhando para as ondas, olhando para dentro de si.

A pergunta que sempre lhe ronda a mente vem á tona: onde foi que eu errei? Onde? Ele a amava. Ela sabia disso. Ela o amava. Ele sabia disto. Num rompante de embriaguês mental ele fecha os olhos. Ao abrir, não está mais frente ao mar. Esta em casa, na sua cama. Olha para o teto, o ventilador funciona em câmera lenta. Então ele olha do lado e a vê, ali, dormindo profundamente. Tenta acordá-la. Ele não responde aos seus estímulos. Ele olha para o espelho na parede e não vê o seu reflexo. Somente ela, ali, dormindo profundamente. Levanta-se nervosamente. Está sem seu pijama favorito. Ele olha novamente e vê que não está mais em casa. Não está no quarto dela. Tudo é estranho, tudo é novo e assustador. Entra em pânico. Grita em direção aquele corpo imóvel. O corpo se mexe, sem sucesso. Nada é mais como era antes.


Numa fração de segundos, lembra do início deste processo doloroso. Ela queria esquecê-lo, tirá-lo de vez da sua vida. Por qual motivo mesmo? Para ele aquilo ainda não estava claro. Muita água havia passado por debaixo da ponte sem que ele percebesse. Sua mente agora lhe fala: “É isso, se ela não te quer, não há motivos para querê-la”. Houve-se um estalo ensurdecedor. Mais uma vez ele olha para o espelho. Agora se enxerga. Está ali, feio, forte e formal. Sua face está irreconhecível, mas é ele. Seu coração está machucado, mas é ele. Suas roupas já não são as mesmas, mas é ele. Sua alma foi corrompida, mas é ele. Havia feito coisas que não queria, mas, sem dúvida era ele. Ele sorri, nervosamente. Ele sorri amarelo.

Ela enfim parece acordar. Ele se assusta. Estava tomado por si mesmo. Lembra também o porquê daquilo tudo: A amava. Ela abre sorrateiramente os olhos. Ele, também sorrateiramente sai de seu campo de visão e a olha a distância. Ainda meio sonolenta ela diz: “amor, você está aí?”. Ele não responde. Ele emudece. Ela se vira do lado e parece voltar a dormir. Ele se desespera: “o que estou fazendo?”. Mais uma vez se aproxima. A toca e neste momento, mais uma vez ela some. Ele olha ao redor. Está sentado em sua sala vendo TV. Está sentado. Teve sua oportunidade e não aproveitou. Não aproveitou.

Anderson Mendes Fachina

domingo, 24 de abril de 2011

Cinco minutos depois de...

Primeiramente gostaria de deixar minhas sinceras desculpas. Justificativa: Se eu não fizesse isso, não seria eu. Faço não por que quero que penses alguma coisa. Faço sem intenção de despertar alguma coisa ou mesmo fazer uma surpresa. Faço porque sigo um velho conselho de minha mãe, que me foi dado quando ela foi chamada a comparecer à escola pela primeira vez, eu tinha 7 anos. Lembra daquelas balas que vinham grudadinhas, numa tira? Só quem tem mais de 30 sabe do que estou falando. Ah, então. No meio da aula eu subi na carteira e rodei uma daquelas tirinhas no ar dizendo: “quem quer bala?”. Claro que a professora me pôs de castigo e mandou chamar a minha mãe. Na sala da diretoria, aquele dia, minha mãe disse uma coisa que marcou a minha vida. Ela não estava brava com a minha atitude, somente disse que não poderia fazer isso na aula. E, ao pé do ouvido me disse, contrariando a recomendação que acabara de dar: “Filho, sempre faça o que o seu coração mandar”. E não poderia ser diferente.

Meu coração pediu para que eu fizesse isso e, sem muitas perguntas resolvi atendê-lo. Nestes dias tenho o contrariado tanto... Ainda não me arrependi, mas isso é iminente, assim como dois e dois são quatro.

Nunca sua frase “nossa história só tem coisa bonita” fez tanto sentido assim. Nestes dias eu me esforcei em olhar de fora. Assim sendo, comecei a entender tanta coisa. Era como se tivesse feito o download de toda nossa história em segundos. Entendi minha “missão” e visualizei a sua. Tudo tão claro, tão limpo, tão palpável. O que tiver que ser, será... Agora entendo e sigo em frente. Sem renunciar a nada, sem esperar por nada, apenas sigo olhando pra mim.

Lembro de todas as frases pra mim dirigidas. Lembro de todas as frases por mim dirigidas. Lembro-me de todas as passagens, todos os momentos, todos os suspiros, todos os carinhos, todos os beijos, todos os olhares, todos os pqps, lembro-me de tudo, mas de tudo mesmo. Aliás, como digo, não há como lembrar aquilo que ainda não esqueci, que não me saiu da mente. É tudo tão vivo. Tudo tão colorido. Só coisa boa, tens razão.

Tudo o que te disse até hoje é verdade. Tudo mesmo. Não retiro nada, nem um hominho. Aliás, eu agora os cultivo como ouro em essência. E como não poderia deixar de ser diferente, como num passe de mágica, em tantos lugares para eu parar neste reino tão vasto, escolhi justamente a sombra pela qual a Torre se deslocava. Além da coincidência do local, há também a do horário, do momento em que resolvi enviar meu sinal, do momento em que resolvi olhar para baixo. São tantas. Enquanto mandava meu sinal de fumaça e enquanto este era recebido, vi, alí, a menos de 20 metros, toda a beleza inundando a rua. Coisa do destino? Sei lá.

Enquanto me deslocava vinha pensando sobre tudo. Tudo passa como num filme pela minha mente. Adoro filmes. E melhor ainda quando se tem a sensação de que estou dentro dele, que faço parte de uma série de acontecimentos que, ao final, faziam parte de uma trama muito, mas muito fantástica. Tudo muito ritmado, tudo muito entrelaçado, tudo muito bem costurado. Não a lá Tarantino, não a lá Scorcese... Apenas uma história de vida, uma história que muito bem poderia não ter acontecido, mas que se fez presente e encheu aqueles que dela participaram de orgulho. Orgulho de compartilhar uma época e uma existência. Orgulho de ter feito aquilo que quis, quando quis, como quis e ainda maravilhosamente bem. Essa é minha sensação. Sensação de ter feito tudo o que eu podia ter feito. Claro que não fiz, mas fico sempre na expectativa de ter feito o melhor, o que estava e o que não estava ao meu alcance.

Hoje a história não é contada na terceira pessoa "ele". Hoje a história é narrada em primeira pessoa. Primeira por que o narrador desceu (ou subiu) ao palco. Entrou em cena, mostrou sua cara, abriu seu coração. Agora a platéia sabe quem é ele. Sabe quem agora ocupa o lugar de destaque (ou não) no filme. Uma emoção com rosto, um sentimento com sorriso verdadeiro, uma voz com presença ativa.

A história segue, como deve seguir, como deve ser, como deve acontecer. "Seu investimento sem maiores pretensões foi a sua maior conquista". "Pensa num cara que te deseja". "Pensa num Snoopy feliz". "Deus abençoe as...". "Agora sim eu vi vantagem". "Essa é a hora em que eu me dou bem". "Ah, você aqui na sorveteria, quanta coincidência”. “Feche a janela”. “Chega aqui, deixa eu te mostrar uma coisa na geladeira”. “O que faz metade de mim neste momento”. “Cavalo de Cabo de Vassoura, sua Torre está em perigo”. “Sabe quando rimos por algo deliciosamente levado que pensamos ou dizemos?”. “Por mais que eu pense, não consigo achar coisa melhor pra ter me acontecido que você”. São tantas, mas tantas as frases e passagens que compõem esse roteiro. Como dizia a música: “Tanto clichê, deve não ser”. Clichê que nada, tudo foi o que deveria ter sido. Tudo foi o que foi. Sou o que sou, lembra?

Como disse, essa história ainda não acabou. Não que ela continue da mesma forma, não que ele continue de outra forma, não que ela continue. Já nem sei mais o que estou dizendo. Já nem sei mais o que... Como diria meu mentor intelectual Sócrates, “Só sei que nada sei”. Só sei que foi assim!

Anderson Mendes Fachina

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Cavalo de cabo de vassoura

Não, não era o Cavalo de Fogo. Não, não era o cavalo Branco do Napoleão. Não, não era o Cavalo de Tróia. Não, não era um Cavalo de Raça. Muito menos o mitológico Pégasos. Sequer era o burrinho do Shrek ou mesmo a Uni da Caverna do Dragão. Era apenas um cavalo de cabo de vassoura. Apenas isso, um cavalo de cabo de vassoura.

Ele foi criado pela imaginação latente dele, que banhada numa magia impar, lhe deu vida (vida?). Foi seu melhor meio de transporte, porque tinha como principal frase: “Não há distância que eu não possa enfrentar. Não preciso de água, preciso de você”. Esse combustível deu muito mais do que sentido para sua existência. Deu muito mais do que razão para que ele iniciasse a sua caminhada. Mas ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura e como tal, não poderia ter se animado tanto.

As condições sob as quais vivia, naquele reino maravilhoso, onde não havia mirante, castelo, palácio, ou qualquer coisa que superasse a beleza da torre pela qual se encantou, eram as melhores para sua atuação. Aquela, não era apenas a torre mais bonita do reino. Era a torre mais bonita de todo o universo, seja ele conhecido ou não. Seja ele palpável ou existente apenas na mente de alguns. Era a torre da qual ele havia desenhado em seus sonhos, ainda mesmo quando ocupava lugar em uma vassoura e sua cabeça era apenas uma cartolina esticada em algum armário. Era a torre. E ele? Ah, ele sabia disto.

Mas ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura.

O início, o meio ou o fim de tudo, depende de onde se olha, aconteceu naquele dia 27 de fevereiro. Ele estava com os pêlos em riste. Estava sendo desafiado, estava sendo ousado a quebrar protocolos, a sua existência estava sendo colocada à prova. Diga-se de passagem, por ele mesmo. Era ele quem havia se cobrado daquilo. Era ele que havia sentido a necessidade de vê-la. Havia sentido uma necessidade tão forte de tocar a sua torre, de surpreendê-la, de amá-la, de ver seus olhos e seu sorriso. E, num rompante de loucura (amor, desejo, vida, paixão, felicidade, magia, encantamento, burrice, por que não?) enfrentou o tempo. Essa era a única coisa que tinha direito de fazer. Como era apenas um cavalo de cabo de vassoura, sua existência efêmera poderia desafiar o tempo. Esse, só existe de fato para aqueles que possuem relógio e que têm hora para fazer as coisas. Ele, não. Um cavalo de cabo de vassoura não se preocupa com o horário. Não se preocupa com as idas e vindas. Aí ele cometeu um erro (erro?). Ele não estava em seus domínios. Não tinha seus materiais à mão. Tinha apenas uma peça de roupa e esta, tinha um lindo desenho. O desenho de um cavalo mágico. O desenho de um cavalo que ajudou um santo a derrotar um dragão. E ele se sentiu.

No caminho pareceu voar. Pensou em suas asas. Mas ele não era alado, era apenas um cavalo de cabo de vassoura. Parecia voar porque era leve e o vento causava essa ilusão. Seus pêlos estavam em riste, mas era apenas a cartolina ao vento. Parecia correr muito, mas era apenas a ausência do tempo, só isso. E ele se sentiu mágico. Sentiu-se um cavalo. Mas ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura.

E quanto mais ele andava pelo reino, mas o cabo da vassoura esfregava no chão. E ele não percebeu que nessas andanças, pedaços dele iam ficando pela estrada. Pedaços dele iam ficando nas irregularidades do caminho. Ele estava definhando, mas não havia percebido isso. E até mesmo a chuva da qual ele gostava tanto era sua inimiga, pois ajudava a cartolina a se desintegrar também. E ele não via isso. Não por menos, seus olhos eram pintados com canetinha. Não veria, nem que quisesse ver.

Quando seu coração falou mais alto que a razão, não percebeu que o único lugar onde um cavalo e uma torre podem se encontrar, além dos longínquos reinos medievais, é num tabuleiro de xadrez. Mas ele não era uma peça de um xadrez. Ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura. Apenas um cavalo de cabo de vassoura e estava definhando.

Anderson Mendes Fachina

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Mea culpa, das concepções de Schopenhauer ou da filosofia barata

Parte 1 - Cego e irracional?

... por mais maciço e imenso que seja este mundo, sua existência depende, em qualquer momento, apenas de um fio único e delgadíssimo: a consciência em que aparece. [...] O mundo como representação, isto é, unicamente do ponto de vista de que o consideramos aqui, tem duas metades essenciais, necessárias e inseparáveis. Uma é o objeto; suas formas são o espaço e o tempo, donde a pluralidade. A outra metade é o sujeito; não se encontra colocada no tempo e no espaço, porque existe inteira e indivisa em todo ser que percebe: daí resulta que um só desses seres junto ao objeto completa o mundo como representação, tão perfeitamente quanto todos os milhões de seres semelhantes que existem: mas, também, se esse ser desaparece, o mundo como representação não mais existe”. Shopenhauer – O mundo como vontade e representação
Apesar de tomar emprestadas as concepções antes formuladas por Immanuel Kant (1724-1804), Arthur Schopenhauer (1788-1860), o filósofo mais pessimista da história, acabou por construir um pensamento original quando apresentou sua teoria sobre a vontade do ser humano. Para Schopenhauer, a vontade é fundamento, mas sem ela própria apresentar fundamento. Em outras palavras, a vontade não se submete ao princípio da razão que rege nosso universo de representação.

Sem parecer demais complicado, visto que, desde o início vou deixando minha “mea culpa”, muito pela falta de aprofundamento filosófico, muito pela associação com minhas próprias concepções de vida, muito pela inexorável ação do tempo, que vai nos deixando cada vez mais insanos, seja pela morte natural de nossos neurônios, seja pela morte (natural???) de nossos sonhos, seja pela constatação de que a vida é o princípio do fim, gostaria de deixar claro que o intuito desta série não é propagar o princípio do “estamos no fundo do poço” e sim discutir o porquê chegamos a essa condição (se você constatar que em nenhum sentido está no fundo do poço, de verdade, não precisa ler o resto... é perda de tempo). Tudo isso, é claro, calcado na valorização imensa do humor, na valorização imensa da ironia (que nos toma de assalto todos os dias de nossa vida), na valorização imensa da livre manifestação (dois de meus melhores amigos já se dispuseram a debater o tema). Vou tentar também ser o mais sucinto possível, evitando posts longos e chatos (há como não ser chato?), sem se descuidar do fechamento da idéia ora iniciada. Mas se não concluir nada, também sei que o princípio filosófico foi mais uma vez usado de maneira produtiva, pois somos o que pensamos. Certo? Eu penso...

Concluindo este abre-alas:

Para Schopenhauer, a vontade é um princípio fundamental da natureza, independente de como ela aconteça. Assim, mesmo quando uma pedra rola morro abaixo, a objetivação desta ação tem sua natureza no corpo. Assim sendo, qualquer tendência por ai advinda não passa de um disfarce sob o qual se oculta uma vontade única, que não se submete as leis da razão única e exclusivamente por não depender desta.

Acontece então que quando o ser humano apresenta sua vontade, ou seja, faz uso daquilo que lhe é de mais imediato, indistintamente, não atua de maneira racional, mesmo que inconscientemente. Aliás, o inconsciente é um prato cheio a concepção de Schopenhauer. Para ele, “A consciência é a mera superfície de nossa mente, da qual, como da terra, não conhecemos o interior, mas apenas a crosta”. Assim sendo, nossa consciência é limitada e, por isso mesmo, fica sempre refém do inconsciente, muito maior e de grande atuação em nossas ações.

Por que falar de vontade?

Todas nas nossas relações estão baseadas na vontade de algo. Todas, indiscriminadamente. Mesmo que, como diria Schopenhauer, isso seja inconsciente, ou mesmo escondido marotamente por conveniências temporais da convenção vigente. Aliás, convenção vigente é outro de nossos temas futuros.

Por enquanto ficamos por aqui, sempre refletindo acerca da vontade (a vontade é cega e irracional?). Com o decorrer dos posts, espero que o assunto flua melhor e que apresente boas discussões com vistas a nossa vida e aos nossos relacionamentos.

Anderson Mendes Fachina

Music when the lights go out

O título desse post eu tomei emprestado de uma canção da boa banda indie The Libertines, mas pretendo falar aqui do show do U2, que assisti no sábado, dia 9.

Em primeiro lugar, adoro a banda, e considerei a apresentação maravilhosa, deslumbrante, mesmo. Ninguém em sã consciência discordaria. O palco impressiona desde o primeiro momento, estrutura totalmente diferente do usual, que permite uma visualização muito boa dos músicos durante todo o show, telão inovador, uma atração à parte, e os efeitos e luzes são incríveis.

Porém , tudo isso me fez refletir sobre os caminhos que levam uma banda de rock a se tornar uma “mega banda”, e as contradições que isso encerra, sobretudo em se tratando da trupe de Bono Vox. Em que momento a música já não basta para os fãs, e cada turnê tem a obrigação de ampliar e inovar na pirotecnia, para dar conta das expectativas?

Talvez o discurso de “salvador da humanidade” professado por Bono fizesse mais sentido se o U2 poupasse os milhares de watts gastos por seu mega palco, a cada apresentação, e, na tradição mais crua de toda a música de protesto que já se mostrou relevante, de Woody Guthrie a Bob Dylan (e mesmo Patti Smith, politizada ao extremo e desconhecida de muitos), protagonizasse apresentações mais intimistas, dando seu recado através de sua música, e de uma atitude mais coerente.

Pode-se ter uma postura crítica, engajada politicamente, sem sacrificar o lado artístico (arte não tem a obrigação de ser engajada, como querem muitos), e o próprio U2 consegue isso, suas canções ao menos não resvalam para uma demagogia rasteira, como acontece com muitos artistas. Já a postura do Bono há tempos ultrapassou esse limite... o cara se acha alguma espécie de estadista, parece, mas sem se descuidar dos holofotes, claro.

A mim bastaria um show acústico, sem lotar estádio, sem discursinho pseudo-humanitário. Apenas as boas canções do U2 que conheço e aprecio desde a minha adolescência. Mas parece que é um caminho sem volta... então, o que vale mais? Se se apagarem as luzes cegantes, permanecerá a força da música?

No momento em que escrevo, ouço o álbum Let England Shake, da PJ Harvey, que já considero um dos melhores do ano (se não o melhor). Conteúdo político inquestionável, com a mais alta qualidade artística, e sem grandes alardes. A quem se interessar, a faixa The Glorious Land é uma das mais contundentes canções antiguerra já feitas.

Enfim, valeu muito ter ido ao Morumbi, muita diversão, boa música, mas o U2 deveria se vender pelo que é, e pelo que oferece: entretenimento, em troca de dinheiro. Tá no mercado, é pra se vender. E aos despossuídos, as sempre sinceras palavras do Bono.

Em tempo...

Momento Mega: a entrada da banda, ao som de David Bowie.

Momento Brega: a escolher, a menina que Bono chamou para declamar a letra de Carinhoso? Ou a apressada menção às crianças assassinadas no Rio? Falando em demagogia...

Cristina dos Santos Monteiro

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Reflexos da inocência ou do tudo é permitido, mas nada obrigatório

Ele estava derrotado. Não sabia por que, mas, estava derrotado. Até o presente momento ele ainda não havia se deixado levar por tudo aquilo que a ela era endereçado. Dias atrás, quando leu uma mensagem, viu, mesmo que a contragosto, a sincronicidade trabalhar ao contrário. Não sabia por que, mas viu alguma coisa onde não tinha. Não podia ter. Nunca poderia ter. E ele sabia disto, mas, sabe se lá porque, pensou que pudesse haver. Naquele momento ele estava sendo afetado, apesar de ainda não saber. Alguém, em algum lugar, inconscientemente ou não, marcou mais um ponto em sua tabela.

Eles adentraram. Hoje não eram apenas os dois. Uma pessoa fazia parte do grupo. Pessoa esta que durante o dia o havia acompanhado e que, de certa maneira, se mostrou ser tudo aquilo que ele já pensava. Conversaram bastante, riram, falaram sério e, ao final, ele teve a impressão que sempre teve. Esta pessoa era também uma pessoa diferenciada, do bem. Antes, ainda no ponto de partida, essa pessoa havia dito: “Senhor, livrai-nos de todos os males”. Ele pensou mentalmente: “Corpo fechado”... Ledo engano.

Eles adentraram. Um misto de expectativa, ânimo, curiosidade, medo, receio... Tudo misturado de maneira muito, mas muito conexa. O que era para ser um inferno, não o foi. Sequer passou perto. Nada que pudesse lhe assombrar. Ele parou por vários minutos e olhou ao alto, concentrado. Seus sentidos não estavam muito delineados, mas, tinha a certeza de que a palavra que repetiu várias vezes também não era assim tão presente. Não havia ali nada surreal. Surreal, a palavra, não se encaixava naquilo. E foi justamente ai que errou. Foi justamente ai que a derrota começou a tombá-lo como nunca havia.

A experiência, nova, diga-se de passagem, foi muito boa. Sincronicidade, companheirismo, desejo, tudo aquilo que o fazia feliz ao lado dela. O dia dela, não havia sido muito bom. Ela havia se queixado de que suas expectativas não haviam se concretizado. As pessoas não entendiam seu desejo e isso a estava tirando as forças. E ele não estava forte o bastante para ajudá-la, como até então havia feito. Não estava. Mas não sabia disto.

Gostou do lugar. Gostou de tudo o que aconteceu. Mas em vários momentos viu o restante de suas forças irem embora. Cadê a porra da força que estava ali? Voltaria lá sem problemas. Voltaria mesmo, assim como as várias novas coisas que tem feito com ela.

No caminho de volta, durante alguns segundos sentiu o calafrio. Não era o frio da noite. Não era o vento da madrugada que lhe beijava o corpo. Ainda não sabia o que era. Quando chegaram ao local que era para ser deles, uma frase lhe tirou a última fagulha de força que faltava. “Posso acessar?”. Claro foi a resposta óbvia. Enquanto as águas quentes o lavavam a alma, ou pelo menos tentavam, ele sentiu o segundo calafrio. Ela ainda não sabia, mas ele começou a visualizar a cena. Tomou o banho mais rápido que de costume. Saiu ansioso. A face dela já denunciava a derrota estampada. Ele já a viu assim várias, várias vezes. Sentou-se ao seu lado e teve a certeza de que o rombo era grande. Ponderou mais uma vez acerca de que em algum lugar alguém agora estava, possivelmente, sorrindo, mesmo que inconscientemente. Ela então disse: “Escuta bem o que eu vou te dizer. É a última vez que leio isto. Por favor, por favor, me ajude neste sentido”.

Ele não aceitou de pronto, sabia que isso era algo dela, de sua história, seu rito de passagem (rito de passagem, lembrou... é isso... jurou delinear isso melhor em outra oportunidade). Mas, não se sabe por que, tentou a empreitada. Uma tarefa que até um juvenil faria com os pés nas costas começou a ficar difícil primeiro pelo clique no lugar errado, segundo pela infeliz coincidência. Quando já se preparava para retornar e anular a tentativa, inclusive sinalizando sonoramente sem resposta, por uma fração de segundo leu algumas frases que o tiraram tudo, mas tudo mesmo que restava. Ele tremeu. Seu corpo todo tremeu. Tremeu como não acontecia desde o fatídico seis de novembro de alguns anos atrás, quando seu cavalo de cabo de vassoura derrapou, tombou, girou, rodopiou e se foi rumo à morte. Morte essa que não veio. Corpo fechado, lembra? Não, hoje não. Ele estava aberto. Perdeu seu brilho no fundo do mar.

Quando ela saiu do banho. Talvez renovada. Ou esperançosa de que ele poderia lhe dar tudo aquilo que o dia não lhe deu, ela o viu transfigurado. Por um momento ele tentou retornar ao normal. Tentou puxar do fundo de sua alma alguma força para prosseguir ali, sendo tudo aquilo que ele quisesse que ele fosse. Eu quero ser pra você, lembra? Não conseguiu e ela notou. Ao notar, mais uma vez tombou. Mais uma vez ela ficou mal naquele dia.

Depois de certo nervosismo relativo, tudo foi colocado às claras. Às claras, não as boas. Não dava. Imediatamente ele pensou na anestesia dela. Ele NUNCA queria que isso acontecesse, não com eles. Naquele momento, quando a sentiu em seu corpo, num misto de tristeza, cuidado, sei lá, ele teve a noção exata de tudo o que havia se passado. Teve a noção exata de tudo. Para ele, tudo estava claro. O mesmo universo que sempre conspirou em favor de ambos, agora estava suspenso, preso dentro da falta de força dos dois. Lembrou de uma frase dela: “Hoje minha logística falhou”. Lembrou também da resposta que havia dado: “Não tem problema. O problema só acontecerá quando a minha logística falhar”. A logística, óbvio, não havia falhado. O que ficou em algum lugar foi seu sorriso. Aquele que é instantaneamente disparado pela face dela. Ele, que tanto insistiu em alguns momentos que ela não estava lá, pareceu se esquecer de que ELE (Sou o que sou, lembra?) era quem talvez não estivesse.

Enquanto refletia acordado sobre todo o acontecido, lembrou-se de um de seus amuletos de dissipação do nervosismo e apreensão. Lembrou do som que era o tema agora de sua nova existência. Lembrou. Correu. Correu e o colocou em seus ouvidos. Escutou dezenas de vezes enquanto escrevia e pensava. Sua paz foi voltando. Suas orações também já faziam sentido.

Assim, começou a olhar pra ela ali. Não sabe se num sono profundo ou leve. Não sabe se num sono bom ou ruim. Não sabe. Mas pensou e evocou toda a força contida na certeza de gostar dela DEMAIS. Evocou todos os sentimentos bons que nutriam aquela relação. Evocou o seu sorriso, e sorriu. Evocou seu canto e cantou. Evocou sua luz e viu um brilho ainda tênue mas constante lhe encher os olhos. Evocou todos os sentimentos que nutre por ela. Nessa evocação apenas um pedido simples assim, complexo assim: “Amanhã é um novo dia, não é?” Espero que eu possa ver seu sorriso renovado. Rito de passagem... Rito de passagem... Orou, olhou mais uma vez para sua face, viu a beleza que sempre vê quando a olha. Sentiu algo lhe invadindo. Olhou pela janela e teve a maior certeza de sua vida: “A madrugada acaba quando a lua se põe”. Tomara que isso se transforme em tudo aquilo que eles haviam planejado. O plano está traçado, lembra? Por favor, não se esqueça disto.

Anderson Mendes Fachina

Quem sabe só você

QUEM SABE. A chamada foi a de sempre: “Se vira!” A vontade em atender a chamada também foi a de sempre: “Sempre que você quiser”. Componentes de uma situação radiante e que leva dois seres a uma felicidade impar, o contato e a reciprocidade deste, são elementos fundamentais dentro do pilar universal que sustenta os sonhos, as realizações, a vida apaixonante e o entusiasmo de seguir em frente. Como diz a música: “E pela lei natural dos encontros eu deixo e recebo um tanto”. Que bom se sentir assim, pensa ele. Que bom!

Enquanto movimenta as ações a fim de encontrá-la, fica imaginando o que ela quis dizer com a frase da noite anterior: “Gostaria que passasse comigo pelo menos parte da minha primeira noite”. Será que entendi o que era para entender? Mudanças... Como elas movimentam nossas vidas. A vida dela, pelo menos a física, estava sofrendo uma mudança considerável. Não pelo fato da mudança espacial e sim pelo peso que esta agora lhe acrescentava. Suas realizações pessoais tinham ganhado novo item e este, como sempre, era um dos mais significativos na vida das pessoas. Desde os primórdios o homem busca por refúgio. Há diversos tipos de refúgios, sejam eles físicos, sejam eles psíquicos. Mas isso é assunto para outra hora, conclui. Aliás, tem pensando muito na questão do refúgio psíquico ultimamente. Numa aula de filosofia que teve a honra de ministrar em outra oportunidade, trabalhou a questão primorosamente e ali, começou a medir o quanto isso é importante em nossas vidas.

Então sua alma se encheu de alegria novamente. Sua Torre havia se movimento para mais ao sul do reino. E com ela, todo o centro de gravidade do mundo, pelo menos do mundo dele e de todos os seus sentimentos que orbitam ao redor dela. A metáfora mais uma vez era bem feita, fruto da magia da relação de ambos.

E tudo foi o que ele imaginou. Mais uma vez música. Mais uma vez poesia. Mais uma vez intensidade. O entretenimento então se fez parte do encontro por intermédio de uma comédia. Risos, risos e risos depois, ela, impecável em seu jeito de ser e de seduzir, disse que algo o esperava. “Minha primeira noite é sua” e, diga-se de passagem, foi uma frase deliciosamente colocada no momento certo, na hora exata. SÓ VOCÊ para dizer isso, enfatizou.

Lapso temporal? Não, não desta vez. A lembrança de tudo o que aconteceu, como sempre, nunca lhe vai sumir da mente. Ela o abraçou como nunca. Ela o beijou como nunca. Ela o desejou como nunca. Ele a abraçou como nunca. Ele a beijou como nunca. Ele a desejou como nunca. Mesmo local? Não. Novo local! Novo e atraente. Novo e muito, mais muito rico pela beleza que por ali desfila, agora, todos os dias. PRA TRAZER a realidade como parte fundamental do encontro ela repetiu: “Gostaria que estivesse aqui esta noite”. Ele responde: “É um prazer e, quem agradece sou eu”.

Num determinado momento, a intensidade do que acontecia começou a refletir. Os dois pararam por alguns segundos, olharam essa reflexão, entenderam que quando estão juntos tudo parece se encaixar e, conseguiram visualizar no contraste a riqueza do momento. Ele mais uma vez disse: “Olha pra você”. Ela não deixou por menos, tentou sair de cena e olhando o reflexo dele disse: “Olha pra você”. Ele pensou o que sempre pensa: “Você não existe”. Como ela conseguia o deixar feliz. Como ela conseguia o deixar contente. Como ela conseguia o deixar vivo. O QUE mais ele poderia querer?

A noite era dela. A realização era dela. Mas ela escolheu presenteá-lo, escolheu compartilhar, escolheu ser o presente. Ele aceitou. Aceitaria mesmo se a ocasião fosse simples. E lhe disse: “Mesmo que fosse para apenas te dar um beijo. Mesmo que fosse para apenas te ver. Mesmo que fosse apenas para te ver acenando pela janela. Mesmo que fosse apenas para, ao longe, imaginar que era você ali acenando na janela, já teria valido a pena”. JÁ É maravilhoso assim, imagina então pensar que isso tudo é MEU, concluiu.

Anderson Mendes Fachina

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Bolsonaro, Michael e a liberdade de expressão

Mais uma vez assistimos à repercussão, na mídia, de declarações racistas e homofóbicas proferidas pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Desta feita, ao ser interpelado por Preta Gil, no programa CQC, sobre qual seria sua reação se um de seus filhos se apaixonasse por uma negra, o parlamentar definiu tal relação como “promiscuidade”, assegurando que educara muito bem seus filhos, não correndo, portanto, esse “risco”.

A polêmica se instaurou instantaneamente, e o deputado, apontado como racista, refugiou-se no seu já familiar discurso homofóbico, dizendo ter entendido que a pergunta se referia a um eventual relacionamento homossexual, porque considera, sim, que ser gay é ser promíscuo.

Já no último sábado, o meio de rede Michael, da equipe do Vôlei Futuro, foi hostilizado em Contagem-MG, pelos torcedores do Cruzeiro, que, em um coro que envolvia o ginásio inteiro, gritavam “bicha”, a cada vez que o jogador tocava na bola.

O debate que aflora à luz desses acontecimentos é em torno do conceito de liberdade de expressão. Atribui-se a Voltaire a seguinte frase: “Posso não concordar com uma só palavra que disseres, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-las”. Com efeito, o instituto da liberdade expressão é a garantia de que um cidadão pode expressar livremente seu pensamento, ainda que este seja contrário ao de outrem, ou mesmo que soe ofensivo a um indivíduo ou grupo.

Em um bom texto publicado na Folha On Line, o colunista Hélio Schwartsman evoca outro grande pensador, John Stuart Mill, para apontar os perigos da chamada “tirania da maioria”, à qual contrapõe as liberdades individuais de pensamento e expressão, destacando sua preponderância para que qualquer tema possa ser livremente discutido, sob todas as perspectivas,garantindo a dinâmica mudança/estabilidade, base da manutenção da sociedade e do Estado Democrático de Direito.

Sob essa ótica, são mesmo descabidos os clamores pela instauração de processo por quebra de decoro parlamentar, ou mesmo de processo criminal, contra Bolsonaro. Note-se, por sinal, que as usuais declarações preconceituosas do deputado quase sempre se situam no limite da generalidade, não se dirigindo a ninguém em particular, apenas expressando sua distorcida e retrógrada visão da realidade. É, aliás, salutar saber o que vai na mente deste que, pasmem, integra a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (grifo meu) da Câmara.

Já no caso do jogador de vôlei, cabe citar mais uma vez Stuart Mill, para quem a liberdade de expressão deveria ser limitada pelo princípio do dano. Daí pode-se inferir que nenhum cidadão está obrigado a aprovar , gostar ou apoiar a homossexualidade, podendo mesmo expressar-se livremente sobre isso, ainda que soe absurdo alguém arrogar-se o direito de aprovar ou desaprovar a sexualidade alheia... Entretanto, a partir do momento em que essa discordância se converte em ofensa, injúria, agressão (verbal ou física), humilhação, como ocorreu no jogo em Minas Gerais, passa-se ao terreno do dano, físico e/ou psicológico do agredido, ainda que muitos não considerem problema algum chamar de “bicha” aquele que realmente o é...

Como última observação, chamo a atenção para a fala dos bem intencionados que defendem a tolerância no esporte e em todos os meios. Louvável, mas lembro aqui que os homossexuais não são fardos a serem “tolerados”, mas seres humanos complexos e falíveis como quaisquer outros... A palavra correta, portanto, seria RESPEITO.

Cristina dos Santos Monteiro

sábado, 2 de abril de 2011

Quatro horas em quatro segundos

O encontro era para ser rápido... E foi, porque o tempo corre quando estão juntos.

A primeira visão que ele teve quando a viu foi maravilhosa. Ela estava mais uma vez linda, mas um componente a colocava em outra categoria que ele adorava lhe confidenciar ao pé do ouvido. O dia tinha sido desgastante e a noite seria longa para ambos, cada um com suas atribuições, cada um com suas tarefas. Mas não foi. Não foi porque mais uma vez eles permitiram que a felicidade fizesse parte daquela relação (relação???). A primeira impressão era a de que tudo não passaria de mais uma despedida, muito triste, porém intensa. Mas ela queria mais e ele, ele não poderia deixar por menos, pois havia se preparado para tal, desde a escolha do perfume e da roupa até a artimanha que, tendo em vista os fatos vividos, iria deixá-la desejosa.

O local não era o mesmo, mas já havia sido visitado em outra oportunidade e trazia boas recordações. Recordações estas que deixavam o lugar ainda mais atrativo. Havia ali um cantinho especial, um cantinho onde haviam se permitido trocar carícias e afagos, beijos e desejos. E olha que o vazio que espelhava o local se preencheu rapidamente com tanta vontade. Recordações à parte, a realidade ainda era cruel: despedida.

Nunca foi tão bom conversar a sós com uma pessoa, pensou ele. Sua vida pregressa passava como um raio pela mente. Quando foi assim? Essas rápidas lembranças não lhe traziam a resposta a este questionamento. Talvez nunca tivesse sido assim, pensa e mais uma vez as palavras que lhe melhor traduzem isso são sincronicidade, companheirismo e cumplicidade, porque não?

Ela disse: “não quero que vá”. Ele pensou: “Eu também não”. Ela disse: “você é uma pessoa deliciosa – wonderful”. Ele se sentiu lisonjeado e disse: “Sou seu, sempre”. Ela disse: “Cadê o meu sofá?”. Ele disse: “é prá já”. Mas antes mesmo de pensar numa solução prática, ela já o havia feito. E a solução encontrada mais uma vez o encantou: companheirismo... “Os dispostos se atraem”, lembra? Pensa num cara encantado...

O olhar dela estava tão presente, não faltava mais nada. Ele sentia seu desejo e sentia que isso era bom demais. A conversa foi muito, mais muito boa. Reflexões, recordações, confissões, momentos de olhar o ontem e o amanhã. Momentos de pensar no que foi e no que será e entre as pausas destes momentos, o presente, o agora, ou seja, ele e ela, ali, juntos, muito felizes com tudo aquilo que se processava.

Mais uma vez ele lhe fazia caricias no cabelo. Ele adora esse momento porque a tem como nunca, sente-a como nunca, olha-a tão de perto, como nunca. Ela também adora isso, está estampado em seu sorriso. Agora de pé, eles ensaiam uma dança. Nada coreografado, aliás, diriam até que descompassado. Mas muita, muita alegria estava no ar. Não havia música ou qualquer som que fosse. Havia apenas a vontade de mexer o corpo e olha que agora eles nem precisavam como outrora. Poderiam ficar ali, colados um ao outro sem se preocupar. Mas o balanço era inevitável. O contato era inevitável. O desejo era inevitável. E o esvoaçar dos cabelos também. Ele a rodava constantemente e quando o corpo dela girava em torno do próprio eixo, era como se o mundo parasse. Era como se o mundo parasse para que ele pudesse bailar. Seu movimento, mesmo que provocado por ele, é sempre tão linear quanto cíclico. É sempre tão compassado quanto louco. É sempre tão sensual quanto leve. Apenas é.

Conversa, dança, beijos, idas e vindas pelo espaço... Tanta coisa... E o que seria uma despedida rápida se transformou num belo encontro feliz. E de tão bom, perto de tudo que vive, teve a sensação de que apenas alguns segundos haviam se passado.

Enquanto deitava o corpo já longe dela, escreveu em seu caderno eletrônico: “Os minutos contigo passam como segundos. Quando saí daí, meu caminhar pareceu durar uma eternidade, tão imensa quanto a saudade que agora me invade. Olho agora para o lado e não te vejo. Meu olhar te procura e só encontra na memória aquilo que ainda não foi esquecido. Aqueles momentos, tão rápidos quanto um furacão, ainda me são tão vivos. Seu olhar agora me penetra. Sua boca me alimenta. Seu corpo me esquenta e sua alma preenche meu ser”. Ela estava ali. Ele tinha certeza disto.

Anderson Mendes Fachina