quinta-feira, 7 de abril de 2011

Bolsonaro, Michael e a liberdade de expressão

Mais uma vez assistimos à repercussão, na mídia, de declarações racistas e homofóbicas proferidas pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Desta feita, ao ser interpelado por Preta Gil, no programa CQC, sobre qual seria sua reação se um de seus filhos se apaixonasse por uma negra, o parlamentar definiu tal relação como “promiscuidade”, assegurando que educara muito bem seus filhos, não correndo, portanto, esse “risco”.

A polêmica se instaurou instantaneamente, e o deputado, apontado como racista, refugiou-se no seu já familiar discurso homofóbico, dizendo ter entendido que a pergunta se referia a um eventual relacionamento homossexual, porque considera, sim, que ser gay é ser promíscuo.

Já no último sábado, o meio de rede Michael, da equipe do Vôlei Futuro, foi hostilizado em Contagem-MG, pelos torcedores do Cruzeiro, que, em um coro que envolvia o ginásio inteiro, gritavam “bicha”, a cada vez que o jogador tocava na bola.

O debate que aflora à luz desses acontecimentos é em torno do conceito de liberdade de expressão. Atribui-se a Voltaire a seguinte frase: “Posso não concordar com uma só palavra que disseres, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-las”. Com efeito, o instituto da liberdade expressão é a garantia de que um cidadão pode expressar livremente seu pensamento, ainda que este seja contrário ao de outrem, ou mesmo que soe ofensivo a um indivíduo ou grupo.

Em um bom texto publicado na Folha On Line, o colunista Hélio Schwartsman evoca outro grande pensador, John Stuart Mill, para apontar os perigos da chamada “tirania da maioria”, à qual contrapõe as liberdades individuais de pensamento e expressão, destacando sua preponderância para que qualquer tema possa ser livremente discutido, sob todas as perspectivas,garantindo a dinâmica mudança/estabilidade, base da manutenção da sociedade e do Estado Democrático de Direito.

Sob essa ótica, são mesmo descabidos os clamores pela instauração de processo por quebra de decoro parlamentar, ou mesmo de processo criminal, contra Bolsonaro. Note-se, por sinal, que as usuais declarações preconceituosas do deputado quase sempre se situam no limite da generalidade, não se dirigindo a ninguém em particular, apenas expressando sua distorcida e retrógrada visão da realidade. É, aliás, salutar saber o que vai na mente deste que, pasmem, integra a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (grifo meu) da Câmara.

Já no caso do jogador de vôlei, cabe citar mais uma vez Stuart Mill, para quem a liberdade de expressão deveria ser limitada pelo princípio do dano. Daí pode-se inferir que nenhum cidadão está obrigado a aprovar , gostar ou apoiar a homossexualidade, podendo mesmo expressar-se livremente sobre isso, ainda que soe absurdo alguém arrogar-se o direito de aprovar ou desaprovar a sexualidade alheia... Entretanto, a partir do momento em que essa discordância se converte em ofensa, injúria, agressão (verbal ou física), humilhação, como ocorreu no jogo em Minas Gerais, passa-se ao terreno do dano, físico e/ou psicológico do agredido, ainda que muitos não considerem problema algum chamar de “bicha” aquele que realmente o é...

Como última observação, chamo a atenção para a fala dos bem intencionados que defendem a tolerância no esporte e em todos os meios. Louvável, mas lembro aqui que os homossexuais não são fardos a serem “tolerados”, mas seres humanos complexos e falíveis como quaisquer outros... A palavra correta, portanto, seria RESPEITO.

Cristina dos Santos Monteiro

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