quinta-feira, 16 de junho de 2011

Mais vale a busca pelo viver do que viver um não viver

Refletindo sobre uma troca de tuites com amigos, falávamos sobre a alienação da vida, as escolhas que muitas vezes nos levam a uma espécie de não vida e também sobre a dificuldade de continuar buscando por lampejos de uma vida real.

Lembrei-me de uma história, em que um psicanalista cuja analisanda era atormentada em sonho por um monstro de mil faces. Por ter esse monstro mil faces, não tinha como se concentrar em um rosto. O psicanalista pediu-lhe, por isso, que deixasse de tentar identificar o semblante do monstro e se limitasse, da próxima vez, a despistá-lo, vagando a esmo por toda paisagem que se apresentasse como caminho possível.

Seguiu à risca o conselho, andou por um bom tempo a passos firmes. Um grito ao longe a assustou. Começou a correr. Corria, corria e corria. Olhava para o lado e o monstro colado à sua sombra. Percorreu um longuíssimo caminho. De repente, exausta, sobrou-lhe somente entrar numa ruela escura e sem saída. Lá, sem mais alternativas, viu-se no fim da linha. Encurralada, prestes a desfalecer, olhou nos olhos do monstrengo e perguntou aterrorizada: "O que você vai fazer comigo?" Eis que responde atônito o monstro: "Não sei, não tenho como saber. O sonho é seu!"

Deixando esta história de lado por alguns instantes, me vem a questão se podemos de fato ou não ser donos de nossas escolhas.

Para alguns filósofos, as paixões que nos impelem para participar dos acontecimentos da vida e do mundo, são meras agitações do espírito, já que no curso dos fatos da vida - pessoal, coletiva e cósmica - estamos submetidos a férreos determinismos.

Outros pensadores acreditam que o ser humano é dotado de livre-arbítrio e que com isso, podemos responder à contento ao desenrolar dos acontecimentos da vida, tomando posição, recriando as situações e nos recriando à partir delas.

Voltando à história, que me pareceu muito oportuna para o tema, pois ilustra de alguma forma que mesmo que estejamos vivendo em sonho, e que em algumas situações nos achemos encurralados por monstros sombrios em situações que não vemos saídas, ainda assim, tal sonho ainda nos pertence.

Como apregoa o budismo e muitos outros filósofos – como Aristóteles - e até mesmo o mais popular dos cantores da década de oitenta, Renato Russo (liberdade é disciplina), a liberdade está em desapegar-se.

De qualquer forma, essa afirmação merece uma melhor reflexão.

É inegável que os planos mais importantes do nosso ser, na maioria das vezes nos são desconhecidos. Temos consciência apenas parcial de quem somos. Não sabemos exatamente por que somos ou o que somos. O que torna mais complexo ainda essa busca pelo que somos – e que possivelmente qualquer luz a esse respeito, refletiria na experiência de um viver mais autêntico – é a oferta fácil e abundante que temos à nossa volta de um consumo irrefreado e uma busca ávida pelo prazer fácil, nos afasta facilmente dessa experiência autêntica.

A teatralização das relações contemporâneas - permeada pelo individualismo que isola e pela busca de uma falsa felicidade no consumo, sem contar as muitas outras ferramentas de alienação – só nos faz aprimorar a teatralização da persona que querem que nos tornemos, com isso, nos afastando da persona autêntica que podemos nos tornar.

Estamos à mercê da crença de que a técnica e o consumo são as panacéias para uma vida feliz. Nessa busca irreal pela felicidade, nos afastamos do conhecimento sobre os desejos que nos alimentam e dos conflitos que nos devoram. Acabamos por não compreender as tramas vivenciais que se desenrolam à frente dos nossos olhos e com isso, somos facilmente abatidos por uma angústia existencial que aplaca nossa vontade de seguir em frente buscando.

Desconhecemos a importante dialética entre o pensar e o agir. Razão e sentir deveriam caminhar juntos, mas excluímos um pelo outro, abrindo mão do sentir verdadeiro, por uma razão que desemboca numa técnica desumanizante, na forma de novos e desnecessários produtos. Com isso, nos tornamos órfãos desse sentir mais profundo, afetando a construção de nossa identidade, nos transformando em meros autômatos.

Como disse meu amigo em seu tuite, chega determinados momentos que essa busca cansa, se torna exaustiva. Mas ainda fica a questão: o que estamos buscando de fato? Se estamos buscando a construção de uma nova identidade que transcende o comportamento autômato e consumista, persona que se constrói na solidão do ser, é fato, mas que ao menos em hipótese, poderia nos dar um lampejo de uma vida autêntica, ainda que somente um lampejo, já não valeria por toda exaustão?

Enfim, não tenho tais respostas. Desconfio não ter vivido ainda tal lampejo, mas como diz o provérbio: "O mais importante não é chegar, mas sim o caminho percorrido até lá."

Krisnatágoras Araújo

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