quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Cavalo de cabo de vassoura - parte 2


Era apenas um cavalo de cabo de vassoura e estava definhando. Estava definhando tão rápido que o próprio não se dera conta do tamanho do estrago. O reino pelo qual ele caminhava com tanto entusiasmo não lhe pertencia, pois ele era apenas um cavalo de cabo de vassoura. Cavalos de cabo de vassoura não possuem reinos, no máximo, vivem neles, fazem parte do folclore local, mas em suma, não são donos, nem mesmo em parceria com outrem. Cavalos de cabo de vassoura sequer possuem baías ou estábulos, cochos ou selas. Não possuem nada.

E a rapidez com que as coisas lhe tomavam de assalto, a mesma rapidez que provocava a ilusão da luz cinza no fim do túnel, foi a mesma que o ajudou a definhar sem perceber. Essa rapidez o ajudou no processo do encontro e também no da despedida. Mas e agora? Por ser apenas um cavalo de cabo de vassoura o que lhe restaria? Seu mundo estava ruindo assim como seu próprio ser, sua essência. Era apenas um cavalo de cabo de vassoura.

Era apenas um cavalo de cabo de vassoura, e cavalos de cabo de vassoura não são mágicos. Não me lembro de sequer um desenho ou conto no qual um destes fazia alguma magia, fazia algum encantamento ou lançava não de alguma poção, varinha de condão ou mesmo um truque de circo. Cavalos de cabo de vassoura não são mágicos. E, se naturalmente a magia ali faltava e não lhe dava perspectivas de melhora, algo de muito ruim estaria por vir... E o tempo passou...

O tempo que para ele não existia passou. Mas como uma coisa que não existe passa? Como pensar que o senhor das horas e guardião do passado, presente e futuro, que para ele nada representava, pois era apenas um cavalo de cabo de vassoura, poderia agora lhe fazer alguma diferença? Como?

Parafraseando um gênio, os loucos, aqueles que são loucos o bastante para acharem que são capazes de mudar o mundo (e realmente são os que mudam), têm uma característica em comum: são atemporais, não se preocupam com o tempo, não se preocupam com os problemas, apenas vivem... E vivem intensamente. O passar do tempo que não existe, a loucura da irrealidade do status quo e a condição de uma existência efêmera causaram nele, o cavalo, um instante infinitamente pequeno de genialidade. Uma genialidade infinitesimal!

Certa feita, ainda no reino da Torre, quando se deitara em seus panos (cavalo de cabo de vassoura não tem baia) teve a permissão de se sentir plenamente num êxtase tão claro quanto o dia, e nesse profundo suspiro de resiliência, onde não se tem a noção exata do que é palpável e do que é etéreo, ele viu uma criança. Uma criança a qual ele conhecera naquele momento, mas de uma intimidade milenar (para cavalos de cabo de vassoura o tempo não existe). Muito antes de existir de fato, ela estava ali, de pé por entre as grades de um portão. 

Continua...

A continuação deste texto será lançada na próxima semana. Quem quiser acompanhar a primeira parte do conto acesse: http://caosfilosofico.blogspot.com/2011/04/cavalo-de-cabo-de-vassoura.html

Anderson Mendes Fachina

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