sábado, 15 de janeiro de 2011

O caos e a reconstrução

Ansiava pelo noticiário nos primeiros dias de 2011, infantilmente esperava que o Brasil e o mundo retomassem seus olhos, ouvidos, câmeras e reportagens para o assunto predominante há exatos 12 meses atrás: o caos no Haiti. No entanto, foram poucos os minutos dedicados a notícia/tragédia velha e muitos outros mais para notícia/tragédia nova: a calamidade causada pelas chuvas na região serrana do Rio de Janeiro.

As cenas, o desespero e a contagem dos mortos narrados minuto a minuto pelos meios de comunicação, causam dor, angústia, desconforto, que normalmente tem duração até ao início da próxima telenovela, da próxima zapeada ou da malfadada “espiadinha”.

Entretanto o compromisso com a História nos faz pensar não somente no momento das tragédias, mas principalmente na reconstrução das vidas ou, melhor dizendo, na recolocação do caos em padrões socialmente concebíveis. Ainda que soe como um pensamento chavão convém crer que a necessidade de reconstrução de uma cidade, uma região ou uma nação seja encarada como uma oportunidade na busca de novos rumos ou novos fins.

O que massacra a percepção de oportunidade é a constante de sensação de indignação coletiva diante da morosidade, da indiferença ou do oportunismo doentio nesses momentos... o que dizer dos saqueadores de ajuda humanitária no Haiti, dos ladrões de casas alagadas nas cidades sitiadas do RJ e SP? Some-se aos governos e as mesmas declarações de todos os anos, tais como: “choveu em tanto tempo o equivalente a...”

Enquanto as estatísticas cumprem sua dupla jornada de informar e distanciar o problema da realidade algumas pessoas simplesmente trabalham, honram a vida do outro como se fosse a própria, nestas pessoas sobra caráter, vontade e dignidade, e é a soma destes três elementos pode fazer do caos no Haiti e no Rio de Janeiro um oportunidade para novos fins.

Leon Denis de Almeida

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A primeira mulher

Quando Cristina Kirchner tornou-se presidente da Argentina, houve, é claro, a referência ao fato de que se tratava da primeira mulher a ser eleita para o mais alto cargo do poder executivo naquele país. Não me esqueço, porém, do comentário jocoso que surgiu na imprensa de lá: não se trataria da primeira mulher presidente, mas sim da primeira “mulher de alguém” a se tornar presidente, referência clara às motivações políticas de Nestor Kirchner, que deixaria o poder sem deixá-lo realmente, passando a presidência às mãos de sua esposa. Ainda assim, algumas sutilezas contidas em tais comentários dão pistas do sexismo que ainda impera no mundo contemporâneo.

Cristina, ao tornar-se presidente, já possuía uma história de sólida atuação política, desde seus tempos de universitária; atuava como advogada e fora senadora pelas províncias de Santa Cruz e Buenos Aires. No entanto, ao ascender ao poder, já foi questionada em sua autoridade, parecia óbvio que o marido exerceria o mandato através dela. Mas, pensemos: sendo ela também uma política experiente, por que nunca surgiu essa questão de maneira inversa, por que nunca se conjeturou o quanto ela influenciou o governo de Nestor? Bem, até então ela fora apenas a primeira-dama...

Hoje, o Brasil tem também sua primeira presidente mulher, Dilma Rousseff, eleita democraticamente, e alguns fatos pontuais direcionam a minha reflexão. Dilma pode ser apontada como a “mulher de alguém”? No sentido político, talvez, uma vez que se elegeu apoiada no carisma de seu antecessor, e na promessa de continuidade de seu trabalho. Mas, por sua biografia e histórico político, não deve ficar por muito mais tempo à sombra de Lula, seja isso bom ou mau para a sua popularidade.

Fato é que a nova presidente já procura uma identidade própria, para seu governo e para sua persona pública, e para tanto apoia-se justamente no fato de ser mulher, fazendo questão de ser chamada de presidenta, e nomeando um grande número de mulheres para as mais diversas funções, desde a segurança da posse até o comando de ministérios importantes, como o do Planejamento. Espera-se que cada uma delas comprove sua competência, ou as críticas com certeza irão resvalar para o machismo característico da sociedade brasileira, que já transpira em nossa imprensa desde a posse da presidente. Houve alguma referência pouco respeitosa ou preconceituosa em relação a Dilma? Não, refiro-me a Marcela Temer.

Afinal, será o papel da mulher tão subestimado no Brasil, que na histórica ocasião da posse da presidente as atenções têm que se voltar para a jovem e loura esposa do vice, imediatamente rotulada com o óbvio e pouco honroso título de “musa da posse”? Haverá que se buscar sempre uma musa disso ou daquilo, para lembrar às mulheres que, não importa o quanto realizem profissional e politicamente, serão sempre vistas como objetos e avaliadas pelos critérios mais fúteis? Homem poderoso, esposa-troféu, é a história mais antiga do mundo, que prossegue em tempos de pós-feminismo... Será que teremos que ser sempre a “mulher de alguém”?

Cristina dos Santos Monteiro