Ele sempre foi um cara
complicado. Não que ele desejasse isso, mas as circunstâncias nunca o deixavam
respirar livremente, pensar somente em si e nos seus sonhos. Ele sempre
carregou uma bagagem muito maior do que precisava para viver. Apesar de todo
essa complicação, algo sempre o colocava em destaque. Era uma
pessoa divertida, amável, que sempre arrancava sorrisos e que fazia amigos com
facilidade. Porém a vida nunca lhe sorria com o mesmo vigor que os outros.
Mas isso nunca foi um problema
para que ele seguisse com sua vida. Aos trancos e barrancos, sempre conseguia seus
intentos. Sempre pensava que um dia as coisas haviam de melhorar.
Certa feita, uma experiência
traumática lhe tirou o chão. Perdeu amigos, se afastou de várias pessoas, viu
sua vida ruir e muitas das coisas que havia construído no campo ideológico/
social/ religioso foram tidas como nulas. O episódio em questão e todos os seus
reflexos fizeram com que muita gente esquecesse o que ele havia feito de bom. O
que ele havia reerguido foi meio que tomado por outros. E ele caiu.
Caiu como já havia caído outras
vezes. E se reergueu. Assim como havia se reerguido outras vezes. Mas como
dizem os antigos “besteira pouca é bobagem”. E então ela apareceu.
Ela apareceu quase que do nada.
Até dias antes, ignorava a existência dela. Ela apareceu lhe tirando toda e
qualquer possibilidade de reação contrária. Um amor arrebatador, diriam alguns.
A metade da laranja, diriam outros. E o céu, pelo menos o seu céu, se abriu em resplendor. E a vida
ganhou ares de romantismo, lirismo, realismo. Real porque nunca havia vivido
daquela maneira e para ele era assim mesmo que deveria ser a vida: alegre,
festiva, amorosa...
Esqueceu-se de vários problemas.
Via os sonhos tomando novas roupagens. Esqueceu-se da dor de carregar um fardo
que não era somente seu. Enfim, a fotografia de sua vida estava mais colorida,
mais compassada, muito mais agradável.
Ela não era uma mulher fatal, mas
estava perto. O trouxe para o seu mundo e arrebatou seu coração como quem
agarra com ambas as mãos um prato de comida após dias e dias de jejum. E ele
foi agarrado... Física e psicologicamente. Ai nasceu o erro da relação.
O encanto vivido escondia ainda
mais algumas nuances não tão superficiais. O mundo dela era diferente do dele.
E uma vez passado o perfume que faz de todo e qualquer amante um príncipe/
princesa, o castelo mental até então construído em bases sólidas começou a
ruir.
Ela era inconstante. Queria, não
queria. Tinha orgulho, tinha vergonha. Era amorosa, era ríspida. Nada fazia
sentido em suas atitudes. Não que estas não se justificassem. Não faziam
sentido porque não tinham uma linha racional que lhes conduzisse. Ele, ao
contrário, buscava sentido para tudo o que estava acontecendo e, ao mesmo tempo
em que sentia e oferecia um amor verdadeiro, começava a ver que seus sonhos,
mais uma vez, poderiam não ter um final feliz.
E ela o esgotou. Esgotou toda sua
capacidade mental em raciocinar com primor. Ele agora não tem chão em seus
pensamentos. Não sabe mais o que quer, não sabe para onde isso tudo vai se
encaminhar. Não consegue mais sorrir verdadeiramente.
Essa nova fase o reaproximou de
alguns velhos amigos. Amigos verdadeiros que as vezes lhe servem de parada. Mas
nem mesmo esses amigos conseguem mensurar até que ponto as coisas se processam
em sua mente... E principalmente como se processam esses pensamentos. Eles
percebem que ele não tem mais paz. Suas forças se mostram muito pequenas,
dentro daqueles olhos fundos, cansados.
Sua sanidade está em risco. A linha
tênue entre a felicidade e a loucura está sendo ultrapassada. Ele estava
quieto, em seu canto. Não havia pedido isso. Ela apareceu por uma conjectura
mal feita do universo. Triste. Espero que o pouco que lhe resta seja capaz de
fazer vê-lo que isso não é amor.
Anderson Mendes Fachina