domingo, 27 de janeiro de 2013

Da mihi castitatem et continentiam, sed noli modo


O episódio da noite das tormentas, como ele próprio definiu ainda não lhe saía da cabeça. E pensar que já se haviam passado vários dias, mas as cenas daquele fatídico dia ainda lhe eram claras como o dia, era uma coisa deveras pesada. Ele precisava tirar isso rapidamente de sua mente.

A cada minuto sua mente era alvejada com uma lembrança penosa. E entre uma conversa e outra, uma tarefa e outra, as coisas em sua mente pareciam ainda piorar. Remoer as coisas é o que destrói nossa mente, pensava. E em meio ao pensamento, as cenas, os lances, as lembranças. E assim sendo, as dores de cabeça eram constantes. Dormir então, nem pensar. Mas, contrariamente à presença de seus pares, era na solidão da noite em que seus pensamentos destrutivos eram mais bombardeados.

O entendimento da mente ainda é um campo que caminha a passos lentos. Não há muita lógica em certas coisas. Não há coisas em certas lógicas. Era então no silêncio das falas que seu pensamento fazia os melhores julgamentos. Mas era neste mesmo silêncio que as construções mentais também eram superdimensionadas. Ao mesmo tempo em que refletia melhor sobre o ocorrido, criava novas situações a partir da já famosa mola de pensamento: “e se?”. E naquela noite uma nova história foi criada nesse campo tão fértil.

“Já se passavam alguns minutos das nove horas da noite. Ele andava a passos largos sem olhar pra trás. Seu celular já havia tocado algumas vezes e ele nem se deu ao trabalho de ver quem poderia ser. A velocidade das passadas aumentava à medida que parecia estar mais próximo de sua parada. Mas os quarteirões pareciam se infindar. E os passos mais rápidos aumentavam ainda mais. Mas ele viu a porta. Ela estava lá. Chegou. Abriu. E entrou sem pensar em mais nada.
Mais uma porta e um lance de escada depois ele a avistou. Estava sentada lendo algo. Ele a chamou pelo nome. Ela não respondeu. Ele a chamou com mais firmeza. Mas não encontrou resposta. Tocou em seu ombro e a sacudiu. Ela estava imóvel...”

O sonho acordado lhe visualizou uma nova possibilidade que talvez se encaixasse perfeitamente na obra como um todo. Já eram quatro horas da manhã e ele ainda não havia dormido um minuto sequer.

Continua...

Anderson Mendes Fachina

domingo, 13 de janeiro de 2013

Supermemórias


Eu era muito pequeno e já andava contigo na garupa da bicicleta por toda a cidade, principalmente aos domingos pela manhã. Lembro de um short azul, uma camiseta amarelo claro e uma conga azul que eu usava na maioria de nossos passeios. Lembro-me da sensação de vento no rosto, do gostinho do sol e da sua companhia, que sempre era muito boa. Cruzávamos a pista sempre com atenção aos carros que ali passavam em alta velocidade. Naquela época a pista nem era duplicada, nem todas as ruas de nosso bairro eram asfaltadas, não existia cadeirinha de bicicleta e eu ia pra escola de mãos dadas com minha irmã. Outro tempo. Outro tempo que não volta mais. Outro tempo onde nossas brincadeiras eram inocentes, porém muito imaginativas, pois tínhamos nosso próprio mundo de fantasia.

E sair contigo de bicicleta aos domingos fazia parte deste mundo fantasioso. Andávamos meio que sem rumo, mesmo sabendo eu que haviam algumas paradas obrigatórias durante esse trajeto. E esses locais de parada sempre foram muito bem conhecidos por mim. Eu os freqüentava contigo desde pequenino e gostava da possibilidade de ganhar um doce, tomar um guaraná enquanto o senhor conversava e tomava uma cerveja. Era legal colecionar aqueles indiozinhos que vinham naqueles doces de banana açucarados. Eu tinha vários deles. Era legal também ganhar uma maria-mole com bexiga ou mesmo uma paçoca, um doce de leite... Eu sempre gostei de doce.

Às vezes eu ficava brincado com as bolhas na mesa de bilhar. Nem conseguia pegar o taco corretamente e, por mais que perguntasse, não entedia nunca pra que servia aquele giz azul ou porque a bola de número 15 só entrava na mesa quase no final do jogo. Porque todas as bolas podiam brincar e ela só entrava no final?

Ainda lembro... Ainda me lembro dos dias em que saímos a e chuva nos pegava no caminho. Se fosse necessário passávamos o dia todo fora de casa. Em algum momento nesses passeios, chegávamos à casa da vovó. E eu gostava de passar lá. Sempre fui o primo mais velho, nunca brinquei muito com os outros, mas gostava muito de ficar no meio dos meus tios. Gostava de brincar com o Marquinho, com o Cláudio e escutar as histórias do Zicão, do Paulo, do Chapéu e do vovô, além de tentar entender o que o meu tio Tonho dizia. Eu era muito criança, mas adorava estar no meio deles.

Meus domingos ao seu lado eram assim. Lembro-me como se fosse hoje. Lembro-me como se estivesse esperando seu chamado para sentar na garupa da bicicleta. Bons tempos. Quantas saudades de ti pai.

Hoje faz dois anos e eu ainda sinto saudade daquilo que não foi. Rezo sempre por ti. Um beijo.

Anderson Mendes Fachina

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Minhas sinceras desculpas


Minhas sinceras desculpas por ter sido tão infantil ao ponto de te usar como um simples objeto. Minhas sinceras desculpas por não ter enxergado o quão diferente e colorida era você no meio de todos aqueles tons de cinza. Minhas sinceras desculpas por entrar no seu mundo pela porta da frente, tomar de assalto toda a sua vida, mirar o horizonte e sonhar alto e, depois, sair pela porta dos fundos como um animal arredio.

Minhas sinceras desculpas pelo fracasso que se tornou nossa tentativa inexata em se fazer sermos dois. Minhas sinceras desculpas por aquela cena nonsense, quase surreal, de esmagamento daquilo que ainda nem tínhamos. Minhas sinceras desculpas por ser fraco, seco e distante.

Lembra aquele dia em que encontrei o seu mundo? Aquele passeio na praça deserta, o som quase de inaudível daquela noite calma, tranqüila. Lembra da hora em que te deixei em casa? Lembra da loucura, dos beijos, das palavras, dos olhares? Lembra?

Então... Eu esqueci. Esqueci que aquilo poderia ser verdadeiro. Esqueci de tentar entender tudo aquilo que se passava em minha vida. Não entendi. E não entendendo processei tudo errado. E nesse processo, você que mal tinha entrado, teve que sair. Ou melhor, eu saí. Saí de arrombo, numa só empreitada. Saí correndo, sem olhar pra trás.

É... Demorou... Mas eu olhei pra trás. Primeiro olhei de relance. Primeiro olhei sorrateiramente como quem sabe que olha com vergonha. Vergonha. Só isso. Mas mesmo nesse olhar meio que de lado eu percebi. Percebi que tudo havia se esvaído, tão rápido quanto a minha partida. Tão rápido quanto o meu raciocínio em perceber que meus atos não haviam sido corretos. Não demorou e sua vida já era outra.

Sua vida já era outra completamente diferente. E a minha, a mesma. Os mesmos problemas, a mesmice de sempre e a certeza da insatisfação. Apenas uma constatação mais aprofundada: eu tinha o pseudo-domínio, a falsa posse e eu sabia disso. Mas, na minha pequenez, era isso que me fundava naquele chão. Quão pequeno e mesquinho eu fui.

Minhas sinceras desculpas. Desculpas que talvez não lhe façam sentido. Desculpas que talvez nem lhe lembrem esse algo que existiu. Desculpas que talvez ficaram num tempo tão distante que não tenham mais razão de serem pedidas. Desculpas erradas no momento certo ou certas no momento errado.

Vem-me à cabeça aquele pequeno cachorro daquele filme besta do “Máskara”. Não sei por quê. A lembrança é tão lacônica quanto o pedido de desculpas. Sei lá. Mas, mais uma vez: Minhas sinceras desculpas.

Anderson Mendes Fachina