segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A primeira mulher

Quando Cristina Kirchner tornou-se presidente da Argentina, houve, é claro, a referência ao fato de que se tratava da primeira mulher a ser eleita para o mais alto cargo do poder executivo naquele país. Não me esqueço, porém, do comentário jocoso que surgiu na imprensa de lá: não se trataria da primeira mulher presidente, mas sim da primeira “mulher de alguém” a se tornar presidente, referência clara às motivações políticas de Nestor Kirchner, que deixaria o poder sem deixá-lo realmente, passando a presidência às mãos de sua esposa. Ainda assim, algumas sutilezas contidas em tais comentários dão pistas do sexismo que ainda impera no mundo contemporâneo.

Cristina, ao tornar-se presidente, já possuía uma história de sólida atuação política, desde seus tempos de universitária; atuava como advogada e fora senadora pelas províncias de Santa Cruz e Buenos Aires. No entanto, ao ascender ao poder, já foi questionada em sua autoridade, parecia óbvio que o marido exerceria o mandato através dela. Mas, pensemos: sendo ela também uma política experiente, por que nunca surgiu essa questão de maneira inversa, por que nunca se conjeturou o quanto ela influenciou o governo de Nestor? Bem, até então ela fora apenas a primeira-dama...

Hoje, o Brasil tem também sua primeira presidente mulher, Dilma Rousseff, eleita democraticamente, e alguns fatos pontuais direcionam a minha reflexão. Dilma pode ser apontada como a “mulher de alguém”? No sentido político, talvez, uma vez que se elegeu apoiada no carisma de seu antecessor, e na promessa de continuidade de seu trabalho. Mas, por sua biografia e histórico político, não deve ficar por muito mais tempo à sombra de Lula, seja isso bom ou mau para a sua popularidade.

Fato é que a nova presidente já procura uma identidade própria, para seu governo e para sua persona pública, e para tanto apoia-se justamente no fato de ser mulher, fazendo questão de ser chamada de presidenta, e nomeando um grande número de mulheres para as mais diversas funções, desde a segurança da posse até o comando de ministérios importantes, como o do Planejamento. Espera-se que cada uma delas comprove sua competência, ou as críticas com certeza irão resvalar para o machismo característico da sociedade brasileira, que já transpira em nossa imprensa desde a posse da presidente. Houve alguma referência pouco respeitosa ou preconceituosa em relação a Dilma? Não, refiro-me a Marcela Temer.

Afinal, será o papel da mulher tão subestimado no Brasil, que na histórica ocasião da posse da presidente as atenções têm que se voltar para a jovem e loura esposa do vice, imediatamente rotulada com o óbvio e pouco honroso título de “musa da posse”? Haverá que se buscar sempre uma musa disso ou daquilo, para lembrar às mulheres que, não importa o quanto realizem profissional e politicamente, serão sempre vistas como objetos e avaliadas pelos critérios mais fúteis? Homem poderoso, esposa-troféu, é a história mais antiga do mundo, que prossegue em tempos de pós-feminismo... Será que teremos que ser sempre a “mulher de alguém”?

Cristina dos Santos Monteiro

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