sábado, 12 de fevereiro de 2011

Ultrapassar

Acredito em quase tudo nesta vida. Acredito em Deus, acredito na beleza do amanhã, acredito nas pessoas, acredito que tudo tem um porquê, acredito que não estou aqui somente de passagem, enfim, ACREDITO. Dentro deste paradigma, sou uma pessoa que busca, no horizonte, a medida exata para corroborar meus pensamentos, não o contrário. Sei que nem sempre as coisas deveriam ser assim. Pode parecer meio egoísta de minha parte pensar que tudo aquilo que penso tem uma linha e essa linha deve ser seguida. A vida me ensinou a ser metódico, eu não pedi para ser o que fui no passado, não pedi para passar pelo que passei, não pedi... Mas agradeço todos os dias por isso. “Somos a medida de tudo aquilo que fazemos”, li em algum lugar e concordo piamente, ou melhor, a frase é quem concorda comigo, simples e complexo assim.

Outro dia li que morremos e nascemos muitas vezes, até mesmo em um único dia e que quando isso não acontece é porque carregamos, conosco, coisas que já não têm mais sentido em nossa vida mas, que por algum motivo ainda nos perseguem. Correto, perfeito é isso mesmo. Mas uma questão bate a minha porta há alguns anos e isso tem me tirado o sono ultimamente. Para melhor explicar isso, apresento minha releitura, bem simples, de dois conceitos aos quais conheci por meio de um programa (podcast) que escuto semanalmente.

Um deles é um mito grego que tenho contato com freqüência. Trata-se do Mito da Caverna de Platão. Nesta alegoria, narrada pelo célebre filósofo, os homens vivem no fundo de uma caverna, acorrentados e sempre com o rosto virado para o grande paredão do interior desta. Vivem a vida assim, sem se mexer e sem conseguir ver mais do que aquele paredão. Às suas costas, a certa distância, há a entrada da caverna por onde entram alguns raios de luz. Estes raios de luz entram e projetam nessa parede tudo o que acontece do lado de fora. Assim, do lado de foram passam objetos, pessoas, coisas, tudo. Os prisioneiros da caverna conhecem então, somente as sombras que são projetadas na parede.

Em determinado dia, um desses prisioneiros se solta. Com muita dificuldade passa por entre os diversos obstáculos entre o lugar onde ficava e a entrada da caverna. Ao se deparar com a vida do lado de fora se espanta, vê coisas, cores, têm sensações, tudo muito confuso mais muito mais real, na verdade, a vida real. Sol, pessoas passando de um lado para o outro, animais... Sua reação primeira é contar aos outros o que está vendo. Volta ao interior e começa a contar as novidades aos demais. O que acontece? Ninguém dá crédito às suas palavras, pois a vida que conhecem e que acreditam ser a real é aquela, das sombras... Ele é morto por querer passar uma nova visão, mas prá quê? A vida daqueles acorrentados é a das sombras, na caverna.

Onde quero chegar com essa metáfora?

Bom, vamos ao segundo conceito. Trata-se da teoria do simulacro e da simulação de Jean Baudrillard, que dizem (não me lembro bem, mas não compromete o resultado final) ser baseada no seguinte conto: Num reino, abriu-se uma competição onde o vencedor seria aquele que confeccionasse o melhor mapa deste reino. O melhor mapa sempre é aquele que tem mais detalhes, sua escala é mais condizente com a verdade, etc. Assim, sempre vencia aquele que fazia o maior mapa, pois com mais espaço poderia acrescentar mais detalhes. Chegaram então à conclusão de que o mapa ideal seria aquele que fosse do tamanho do próprio reino, com todos os detalhes, ruas, casa, etc. E esses populares começaram a construir esse mapa. Terminada a empreitada homérica, todos ficaram satisfeitos com o resultado, o mapa, agora, era o próprio reino. E a vida não era mais a mesma. Com o encantamento que o mapa trouxe, todos começavam a viver o mapa e não a vida real.

Concluindo:

Hoje vivemos sob a égide da simulação. Antigamente, saímos das cavernas e procuramos descobrir o mundo. E que mundo... O construímos com muito sangue, derrotas, vitórias, num caminhar extenso, árduo mas compensador. Hoje, nos recolhemos novamente às cavernas. Nossa vida é uma simulação. Dormimos, acordamos, fazemos as mesmas coisas (nem sempre questionamos o sentido disto), trabalhamos, chegamos em casa, assistimos TV e voltamos a dormir novamente. Uma mera e simples simulação do que seria uma vida. Nossa vida é a da novela, onde o mocinho sempre é galã e tudo da certo no final. Vivemos em função da TV e de várias outras coisas que nos afastam de nós mesmos. Deixamos de lado o amor, a felicidade, os “momentos apaixonantes”, as pessoas que gostam de nós e passamos a viver uma vida decorada, maquinal, sem sentido. Salário, contas, contas, salário. Tudo muito assim, simples e vazio.

Eu costumo dizer que há uma diferença abissal entre passar e ultrapassar. Na vida, passamos por diversas situações onde devemos aprender sempre. Mas quando apenas passamos por elas, abrimos caminho para que elas novamente passem pela gente. E o que tem de gente passando pela vida...

Passando e apenas passando. Zumbis contemporâneos ligados ao simples e mero caminhar.

Isso vem ao encontro da frase que citei acima. Todos os que vivem dessa forma, carregam todas as coisas “mortas” consigo. Não as deixam para trás e não renascem, ou seja, não vivem, apenas são conduzidas até o leito de morte. Acostumamos-nos com a maldade do mundo, com a falta de magia em nossas vidas, com a ausência de algo real, verdadeiro...

Sou uma pessoa sentimental por natureza. Sou forte também por natureza. Sou EU. Mas ainda acredito naquilo que é verdadeiro, transcendental, que só acontece em nossa vida quando ultrapassamos algumas coisas extemporâneas... Fácil de me entender? Como disse ontem a uma pessoa: às vezes não faz sentido pra mim [o que penso, escrevo, falo], por que tem que fazer sentido para os outros?

Anderson Mendes Fachina

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